Cuidar é importante, mas que o cuidado não vire castigo

Tenho sido atropelada pelo trabalho e ainda tenho de me sentir agradecida por ter uma fonte de receita, por ter um teto e a geladeira cheia, enquanto um número cada vez maior de pessoas caminha ao relento sem ter o que comer. Tenho sido engolida pela dor de aceitar passivamente a morte de pessoas queridas porque “Deus quis assim” ou porquê seja lá onde for elas estarão melhores, “nos braços de Deus”. Essa impotência se transformou em raiva. Uma raiva que aperta o peito e não sei bem administrar. Acredito que seja semelhante ao que sente o idoso quando sua vida é restringida.

É uma avalanche de sentimentos que responderá pela próxima pandemia: as doenças mentais. E a gente sabe que o envelhecimento é a fase em que estes tipos de transtornos são mais recorrentes, principalmente as demências, distúrbios de humor e ansiedade. E os estados confusionais, diga-se de passagem, são os que mais estão ligados às taxas de mortalidade, segundo relatos científicos. Já há também diversas pesquisas indicando que a maioria dos terapeutas ainda não receba treinamento especializado em tratamentos geriátricos.

Diante de tanta dificuldade em lidar com a saúde mental, cada um tem um jeito diferente de encarar os problemas, mas confesso que quando me convidaram para participar de uma roda de conversa que trata do futuro da longevidade no pós pandemia eu só consegui pensar, mas que “catso” de futuro? Estaremos todos loucos de pedra em breve! O que posso dizer se não vejo nada positivo no horizonte?

É tanto absurdo das autoridades que deveriam nos proteger, tanto conteúdo sem sentido de gente inescrupulosa, tanta laive sem noção, tanto influencer sem ética. A gente perde o rumo! E acho que é natural. Não seria normal estar agora postando foto de viagens paradisíacas e fartos pratos de comida como se o mundo estivesse na mais perfeita ordem.

Mas a cutucada serviu para me tirar da zona de conforto e foi pesquisando para levar algo plausível nessa bate-papo que engravidei dessas ideias. Minha cabeça, como disse Nietzsche para Breuer em “Quando Nietszche chorou”, está grávida de pensamentos. As enxaquecas são as dores de parto desse processo. Ou mais roqueiramente falando, como cantou Titãs na canção “AaUu”, estou ficando louco de tanto pensar; estou ficando surdo de tanto escutar; estou ficando cego de tanto enxergar…

Mas ainda não estou rouca. E preciso gritar!

Eu percebi que o cativeiro que agora experimentamos diante de uma crise da Saúde intensificada por um governo que não poupa esforços para destruir o povo, é velho conhecido de boa parte da população idosa. É uma parcela que enfrenta tais agruras independentemente do isolamento imposto pela Covid. E vai piorar quando se pensa em saúde mental. Há muito ser humano preso no próprio corpo, incapaz de exercer atividades diárias, e que precisa abrir mão de toda uma história de vida para manter-se vivo por mais algum tempo.

O quanto você estaria disposto a abrir mão de pequenas coisas que te dão prazer para viver um pouco mais? Qual seria sua escolha? No fim da sua existência, abriria mão do seu colchão, das suas lembranças, do refrigerante, de um baseado ou de um torresminho, só para prolongar um pouco mais a estada nesse planeta sem futuro?

Do ponto de vista do cuidador, proibir ou ceder?

Até onde podemos ir para proporcionar um pouco de conforto e felicidade a quem não tem muito mais pela frente? Não existe uma resposta e são muitas as perguntas quando estamos aprendendo a lidar com o envelhecimento. E a enxaqueca só faz aumentar…

Leia também: Cuidar do idoso pode se tornar carga pesada demais

Eu sempre fui rígida, principalmente com os meus pais, dessas que segue à risca a recomendação de cortar o sal, o açúcar e outras guloseimas. Mas com a pandemia os limites mudaram e a vida já ficou sonsa demais para não desfrutar de certos prazeres, como uma taça de um bom vinho, um livro, uma corrida, um raio de sol no rosto sem máscara. Percebi, então, que talvez o viver mais dependa dessas lufadas de vento na cara. E que nada muda no meu sentir com o passar dos anos.

Agora quando me perguntam qual o futuro da longevidade eu só sei dizer que não há regras. Ganhamos tempo de vida, mas não qualidade necessariamente. Talvez a coisa mais importante para o envelhecer bem seja a liberdade de decidir a própria vida.

Cuidar é importante, mas que o cuidado não se transforme num castigo.

Leia também: O valor econômico do inestimável 

 

 

O direito de ir e vir sob a ótica da Gerontologia

Envelhecer reduz de forma incontestável nossas capacidades físicas e funções fisiológicas.  E por óbvio que pareça, as pessoas com outras deficiências, agregam a isto, o fato de envelhecer, com tudo o que isto implica. Portanto, ser um idoso ativo, independente e autônomo, é um privilégio nem sempre ao alcance de todos. Assim, o enfrentamento da transição demográfica, pela qual o Brasil atravessa, precisa necessariamente passar pelo debate ao direito de ir e vir.

Segundo o último Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa já é o grupo que mais cresce no Brasil, cerca de 4% ao ano. As projeções populacionais apontam que, em 2031, o número de idosos do país (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o número de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos (42,3 milhões). E, ainda de acordo com o IBGE, mais de 60% dos idosos brasileiros apontaram ter algum tipo de deficiência. Ou seja, uma parcela que não pode ser ignorada.

E, como a perda de algumas funcionalidades é comum no processo de envelhecimento, o Estatuto do Idoso considera que esse grupo da população deve ter preferência na destinação de políticas públicas e recursos para garantia de seus direitos. Além disso, a população idosa é considerada especialmente vulnerável pela Lei Brasileira de Inclusão.

Questões interseccionais

Não à toa, políticas e serviços que oferecem recursos de acessibilidade às pessoas com deficiência também atendem algumas das demandas dos idosos, uma vez que contribuem com o acesso à informação e com a inclusão social deste grupo.

Trazer esse tema para reflexão sob o olhar da Gerontologia não ocorre por acaso. Não tem muito tempo um artigo publicado pela Folha de São Paulo previa a morte do mercado de carros para Pessoas com Deficiência (PCD), no País.

Um carro automático não é luxo quando pode prevenir Lesões por Esforço Repetitivo (LER), por exemplo. São alternativas de prevenção ao agravamento de doenças que podem levar a limitações e até tirar a mobilidade, alterando a qualidade de vida. E aqui não cabe julgamento moral. Não se pode determinar se uma deficiência é maior ou menor e o quanto vai se agravar com o passar do tempo.

Mas é fato que a questão do carro é apenas um dos vieses do problema. Vide o outro lado: a dificuldade de um pedestre idoso que não consegue atravessar a rua no semáforo pelo tempo insuficiente. No sistema de transporte coletivo, então, nem se fala. Os 60+ conseguiram o passe livre, mas muitos não dão conta de subir no ônibus; aprenderam a usar a internet, mas a acessibilidade digital ainda é discurso para inglês ver, como se diz.

“Para falar do direito de ir e vir é preciso, primeiramente, dar acesso à informação”, diz a consultora Mara Ligia Kiefer, líder de Projetos de Inclusão da Somar Diversidade. “A indústria hoje, de modo geral, produz para uma sociedade estereotipada dentro de um padrão de normalidade homogêneo.”

Ao não levar em conta a diversidade da população real, o mercado e o Estado excluem pessoas de baixa estatura, de estatura elevada, gestantes, obesas, muito magras, com deficiência motora, auditiva e visual. Essas três últimas, por exemplo, são funcionalidades que são seriamente comprometidas com a senescência.

Não se trata aqui de criar um mercado para idoso, como muito se fala, mas de tirar do papel o conceito de desenho universal, projeto de produtos, serviços e ambientes que possam ser usados por todos.  Isso sim garantiria que todos fossem contemplados dentro de suas singularidades e incluídos na sociedade.

Rachel Cardoso é jornalista e gerontóloga

Envelhecer é uma conquista

No Dia Internacional do Idoso, é preciso ressaltar necessidade de políticas públicas e celebrar a longevidade

Por Marília Viana Berzins*

Há grandes avanços nas políticas públicas de proteção social ao idoso no Brasil. Tais avanços foram definidos na Constituição de 1988, que ofereceu aos cidadãos regras e princípios até então distantes da maioria absoluta da população.

São exemplos destas conquistas, aquelas que estão referidas nas políticas de seguridade social, ou seja, previdência, assistência social e saúde. São políticas estruturantes na defesa das condições de vida de quem mais precisa da presença e proteção do Estado. Entretanto, devido às questões de desigualdade social e econômica predominante no cenário nacional, nem todos os brasileiros são contemplados nas suas necessidades integrais e muitos ainda vivem na precariedade e exclusão social.

O Brasil, através dos seus municípios, tem um marco legal bem avançado para atender e proteger a população idosa, mas na prática, age como se fosse ainda um país jovem. É um país que ainda não se comprometeu com a demanda deste segmento etário.

Eis aí um desafio. O país precisa se preparar hoje para responder as necessidades da população idosa que já é presente, como também se preparar adequadamente para receber a que está envelhecendo e que terá um impacto muito grande na vida social, sobretudo na política de cuidados de média, curta e longa duração.

O Sistema de Garantia de Direitos, composto pelo conjunto de políticas públicas e sociais, incluindo, por exemplo, o SUS – Sistema Único de Saúde; e o SUAS – Sistema Único de Assistência Social é o instrumento do Estado para garantir direitos. Só que vivemos num Estado de desproteção social na medida em que o Estado brasileiro não garante aos cidadãos idosos o acesso gratuito e universal às políticas já consolidadas no sistema, que deveriam proteger os cidadãos mais vulneráveis. Ou seja, as proteções sociais não estão dando conta de atender a população idosa. Preocupa-nos transformar a conquista da longevidade em problema social, como tem sido evidenciado no discurso de economistas e gestores públicos.

Temos muitos desafios a serem vencidos quando pensamos em políticas públicas e sociais para a população que envelhece. O modelo público de política pública ainda se fundamenta no familismo.

Tais práticas se expressam principalmente na política de assistência social e se caracteriza na família como pilar central, como foco principal da ação, tomando-a como espaço privilegiado de proteção dos seus membros, independente do seu modelo. Ao Estado, cabe intervir somente quando a família falha.

Além de dar a família o principal papel de cuidar da pessoa idosa, o modelo familista reforça a desigualdade de gênero, à medida que sobrecarrega a responsabilidade da mulher na proteção da sua família, sem o devido amparo do Estado.

O futuro do Brasil é a velhice! E o que o Brasil precisa é de políticas públicas para atender seus cidadãos idosos.

Se tivéssemos no território nacional, a partir dos entes federados, União, Estados, Distrito Federal e dos 5.570 municípios a efetiva implantação do que já está previsto no marco legal, incluído o Estatuto do Idoso, já seria um grande avanço. Precisamos sim, de políticas de Estado para as pessoas idosas e não políticas de governo que podem se equivocar, inclusive quanto a autonomia das pessoas idosas, que podem desejar morar ou não como suas famílias.

Por um Brasil que reconheça a velhice como conquista social da humanidade. Envelhecer com dignidade, direito humano fundamental.

*Marília Viana Berzins é doutora em Saúde Pública, mestre em Gerontologia Social e presidente do OLHE.

Pequenos hábitos, grandes mudanças

Criar rituais aparentemente simples ajuda a educar para promoção da saúde, transformando comportamentos e engajando o paciente na prevenção e no tratamento de doenças 

Arrumar uma mesa linda mesmo quando estou sozinha e tornar a minha refeição um momento de autocuidado é um dos meus rituais prediletos. Também não abro mão de ouvir uma boa música, enquanto tomo uma tacinha de vinho à noite e me besunto de aromas relaxantes de óleos e cremes… Um exagero? Pode até ser. Mas,  para além da estética estão pequenos hábitos agregados que ajudam na promoção da saúde e na prevenção de doenças. 

 

É claro que as pessoas são livres para escolher o que as tornam felizes e saudáveis! Mas acredito que é preciso educar e informar contra escolhas impensadas e prejudiciais. Sem obrigá-las a nada.

 

Isso é promover envelhecimento ativo

 

A teoria já admite que as estratégias de saúde pública não se resumem apenas à ausência de doenças. Então, passa a ser obrigatória uma comunicação para a construção de uma sociedade mais saudável. E diante da atual pandemia da Covid 19, é preciso alertar para outra, ainda mais antiga, que poderá ganhar proporções avassaladoras: a obesidade. 

 

Estudos mostram que o sedentarismo provocado pelo isolamento e a redução de atividade física podem deixar um ônus bem maior do que a gente imagina. Já tratei aqui dos transtornos psicológicos em Sem vacina, é preciso seguir com pequenas doses de liberdade. Há ainda o temor de que um surto de obesidade e doenças cardiovasculares agrave esse cenário. 

 

Isso porque uma queda brusca no nível de condicionamento físico pode ser seguida por um aumento das doenças crônicas. E algumas dessas condições também tornam as pessoas mais propensas a sofrer os efeitos graves da Covid-19, em meio a relatos de segundas ondas de contágio em várias partes do mundo.

 

Do verbo à prática: o desafio de comunicar

 

Eu tenho mantido meus pequenos rituais de autocuidado, mesmo que mais moderados, porque criei o hábito há muitos anos. Faz parte da minha rotina e mesmo quando fica muito difícil é meio automático eu encontrar uma alternativa. Na prática, tenho tido bons resultados não só para mim, mas também para aqueles que vivem ao meu redor.

 

Devagar, o exemplo faz a diferença na vida dos que estão próximos. As mudanças são positivas em todos os aspectos e isso me animou a escrever sobre essa experiência da educação. 

 

Não é algo simples. Nem quando se tem consciência do problema todo é fácil mudar. Mais difícil ainda é encontrar uma forma de se comunicar adequadamente nos diferentes meios e comunidades em que a mensagem precisa chegar. E temos aqui um problemão. 

 

Se as escolhas da maioria são irracionais, há também aquele empurrão da grande indústria que nos leva a consumir grandes quantidades de tudo que não presta. E já é sabido que comer bem não é comer muito, mas com equilíbrio.  

Você tem fome de quê?

 

É claro que sair pra comer fora é bacana, mas por que abandonar os velhos hábitos do feijão com arroz e ovo? Tudo bem que agora temos a polêmica do preço, mas há substitutos como a mandioca e a batata, por exemplo. O que quero dizer é que há certo preconceito cultural ou pelos status que o industrializado traz.  

 

Outro desastre é o que vem escondidinho nas letras miúdas dos rótulos. Sem contar que de uns tempos pra cá as embalagens trazem ali bem disfarçada uma mudança da composição dos produtos. Vide o Leite Ninho que deixou de ser leite para se tornar “composto lácteo” tão discretamente que passou despercebido pela maioria dos mortais. E nem vamos entrar no mérito ou demérito da redução de peso e do aumento de preço, praxe ultimamente. 

 

São vários os absurdos, mas o caso do leite que virou composto lácteo acendeu uma luz vermelha na minha memória. Em 2016 escrevi sobre obesidade infantil para a Revista Problemas Brasileiros e, embora o Casa de Mãe trate sobre longevidade, está tudo entrelaçado. 

Naquela época o cenário já não era bom e nada mudou de lá para cá: uma em cada três crianças brasileiras apresentava excesso de peso e pode carregar esse ônus para a vida adulta, formando uma geração sedentária e doente.  

O Brasil será o país mais obeso do mundo em 2030, segundo a World Obesity Federation, que reúne profissionais e organizações de mais de 50 países. Está claro que a transformação envolve bem mais do que o controle da ingestão de calorias. E depende de todos nós. 

 

Programação metabólica

 

Desde a vida intrauterina até os 2 anos de idade, a história física e mental da criança é programada. Assim, a alimentação da gestante também é decisiva nessa questão.  E já se sabe que quando se fala nos fatores de risco para obesidade, a programação hoje é mais importante do que os genéticos e os ambientais. 

 

Isso porque o quadro pode se perpetuar pela vida adulta. Hoje, mais da metade dos brasileiros está com excesso de peso e nem 10% disso é causado pela genética. É um cenário que contribuiu para alastrar doenças cardiovasculares e diabetes, além de danos psicológicos que podem evoluir para transtornos alimentares, como compulsão e anorexia. 

 

“O problema cresce na medida em que a população reduz o consumo de alimentos básicos e aumenta o consumo de processados”, diz o nutrólogo Hélio Rocha, consultor do movimento Obesidade Infantil NÃO, criado pela Amil em 2014.

 

De acordo com ele, o excesso de peso que se instala na infância torna-se mais difícil de tratar na idade adulta, daí a importância da prevenção.  “Existe de fato um risco de epidemia de obesidade no Brasil. A questão é grave e requer atenção da sociedade, pois 30% das crianças obesas desenvolvem diabetes e outras 30%, doenças cardiocirculatórias”. 

 

Toda cura para quase todo mal

 

Está na atividade física o caminho para quase todos os males. É o que revela estudo da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins.  

Pulicada pelo periódico científico Health Affairs, a pesquisa revela que um aumento de 32% para 50% no número de crianças do ensino fundamental que fazem 25 minutos de atividade física três vezes por semana evitaria o equivalente a R$ 70 bilhões em custos médicos e salários perdidos ao longo de suas vidas por perda de produtividade. 

 “A atividade física não só faz com que as crianças se sintam melhor e as ajuda a desenvolver hábitos saudáveis, mas também é boa para a economia do país”, escreve o líder do estudo, Bruce Y. Lee, diretor executivo do Centro Global de Prevenção à Obesidade da Escola Bloomberg de Saúde Pública. “Nossas descobertas mostram que investir em atividades físicas e ligas esportivas paga grandes dividendos à medida que esses jovens crescem”.

É claro que se trata de um problema real que vai muito além do descascar mais e embalar menos aqui exposto.  Exige abordagem coletiva e estrutural, como ressignificar as práticas alimentares e a alimentação como um fenômeno social, estimulando que a preparação e o compartilhamento de refeições sejam reincorporados ao cotidiano das pessoas. 

 

Ao se estimular novos hábitos também é preciso fazer entender que é melhor investir um pouco mais nos cuidados consigo – com a alimentação – do que com medicamento e reabilitação mais tarde. São pequenas práticas que podem ser assumidas pelo indivíduo e que podem fazer grandes diferenças. 

 

De outro lado, há processos que cabem fundamentalmente ao governo, que é responsável por implementar ações que fogem ao escopo de atuação da população, especialmente aquelas que visam regular as práticas do setor privado comercial que são contrárias à nossa saúde.

Como habitarei quando envelhecer?

Diante do isolamento imposto pela pandemia e da releitura comentada entre amigas da saga solitária da estirpe dos Buendía, em “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, me volta à mente como nosso jeito de levar a vida e nossa rede de relações são vitais para envelhecer bem. É pelo lado financeiro, mas é também pelo suporte do convívio social que o envelhecimento nos leva a procurar por novas formas de viver.

Já tratei desta tendência em “Moradia compartilhada melhora qualidade de vida”, mas volto ao tema porque o déficit habitacional é assunto recorrente e ao optar por estudar a ciência do envelhecimento tenho notado grande desconhecimento e até preconceito sobre as opções habitacionais, principalmente quando cabe à família dar o voto de minerva. Ou até decidir sobre as práticas paliativistas, quando há necessidade de cuidados a um paciente incurável.

Há certo mal estar porque é difícil entender que é, de fato, melhor para todo mundo estar no lugar adequado.  Então é preciso destacar, reforçar, divulgar e até nos educar para a pluralidade do envelhecimento.

Não é porque o sujeito faz 60 anos – quando se convencionou estabelecer “idosa” a população – que vai começar a se identificar com as mesmas coisas. E, por isso, nem todo mundo vai querer morar do mesmo jeito.  E isso não depende de ter ou não filhos.

Já pensou quem vai cuidar de você se for necessário?

Essa mudança de costumes avança muito no discurso e até na construção das leis, mas demora à beça pra se incorporar na nossa vida. Ainda hoje falar em cuidados paliativos ou em asilo soa como algo cruel, como despejar a pessoa num depósito de velho.

A própria palavra asilo – inicialmente dirigidos à população carente que necessitava de abrigo, frutos da caridade cristã diante da ausência de políticas públicas – traz em sua gênese a ideia de isolamento e solidão e, por esse e outros motivos, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia indicou a substituição para ILPI – Instituição de Longa Permanência para Idosos.

Apenas 6,6% das ILPIs são públicas

Hoje, o País já conta com 3.500 ILPIs, sendo a maioria privada. Apenas 6,6% são públicas, com predominância das municipais, o que corresponde a 218 instituições, número bem menor do que o de instituições religiosas vicentinas, aproximadamente 700. Os números são de artigo publicado na Revista de Estudos Populacionais.

A institucionalização do idoso é uma opção de moradia já bem conhecida por todos. E claro que há casos e casos.  “Tudo está relacionado ao grau de dependência do idoso. Seja física, cognitiva ou financeira”, diz Luisa Regina Pessôa, arquiteta aposentada da Fiocruz e à frente de um projeto num condomínio para sêniores em Búzios, no Rio de Janeiro.

Lá, oito amigos estão reunidos pela proximidade das casas e pela segurança de poderem contar um com o outro, mesmo antes do isolamento imposto pela pandemia. “Acho que essa modalidade pode ir se ajustando ao nosso envelhecimento e a cada grau de necessidade e independência”, avalia Luisa.

Um lar monitorado

Foi justamente pensando nas diferentes necessidades desse público que o empresário Leonardo Pisani idealizou ACASA, um serviço de hospedagem assistida que se propõe a melhorar a qualidade de vida dos idosos. Trata-se de um formato aos moldes de negócio do “assisted living”, adotada pelas grandes redes de lares de idosos dos Estados Unidos.

“Buscamos trazer para o Brasil o modelo de vida em uma comunidade de idosos, onde o hóspede pode trocar experiências, praticar diversas atividades e ter todo o suporte de uma equipe multidisciplinar especializada”, conta. Tudo sem perder a liberdade de tornar aquele cantinho no seu lar.

Embora só agora esses conceitos ganhem destaque, nem são assim tão novos. Em 1975, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, nascia um projeto pioneiro de um grupo de amigos liderado por Antonio Correa Leite, que idealizou um local onde as pessoas pudessem envelhecer com dignidade, tranquilidade e saúde, além de ter todos os benefícios de um condomínio fechado.

Já naquela época previu a necessidade de profissionais para atuar na área da saúde para atendimento aos moradores. Com o passar dos anos, o que era algo entre amigos se transformou em negócio, com a adesão de novos investidores, originando a Associação Residencial – A Agerip.

E quem não tem acesso?

É importante abrir um debate para que essas novas formas de morar se multipliquem para além daqueles que podem pagar, já que alternativas para diferentes condições de saúde e de capacidade funcional não faltam, mas poucos têm ou terão acesso a elas pelos altos custos.

São mínimas as políticas públicas habitacionais que asseguram moradia digna. O déficit habitacional brasileiro é de mais de oito milhões de moradias, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). E a situação piora diante das necessidades dos idosos.

Por isso, é urgente entender a transição demográfica pela qual o País atravessa debater soluções e cobrar dos futuros candidatos propostas voltadas aos problemas deste Brasil Sênior.

O primeiro passo é conhecer um pouco mais do que já existe disponível, abrir a nossa mente e nos despir de preconceitos para as novidades que possam surgir.

Vamos juntos?

#ILPIs

Residências coletivas, que atendem idosos com necessidade de cuidados prolongados. Podem ser governamentais ou não, mas o tratamento médico não é o elemento central do atendimento.

#Asilos

Lar destinado acolher idosos sem recursos financeiros, essencialmente de responsabilidade pública.  Atendimento inclui alimentação, higiene e saúde.

#Casas de Repouso

Destinada à prestação de serviços médicos, de enfermagem e demais serviços de apoio terapêutico. Instituições governamentais ou não governamentais. Regime de internato. Só podem ter médico como responsável técnico.

#Moradia assistida

É uma residência inclusiva, mas não é uma clínica, nem um local de tratamento, mas uma variação da tradicional casa de repouso. No local, as pessoas têm liberdade para fazer dele um lar. São residências adaptadas às necessidades especiais, individuais e coletivas dos atendidos por elas.

#Centro-Dia

O Centro-dia é um serviço social previsto na Política Nacional do Idoso que atende pessoas com 60 anos que necessitam de cuidados durante o dia e que à noite voltam para suas casas, mantendo assim os vínculos sociais e familiares. Podem ser públicas ou privadas.

#Coliving

É um nome chique para a tradicional República. Quem lembra? Isso porque nesse modelo as pessoas têm o seu próprio quarto, mas compartilham os outros ambientes da casa, como cozinha, sala e varanda. E todo mundo colabora.

A vida em comunidade e o compartilhamento de espaços comuns que caracterizam o coliving atraem cada vez mais idosos, que querem viver sob o lema da partilha de experiências. Pensando nisso, foi lançado a Coliiv, startup que funciona como uma espécie de Tinder da moradia para os maduros.

#Cohousing

São casas particulares agrupadas em torno de espaço compartilhado. Cada casa anexa ou unifamiliar possui acomodações tradicionais. As famílias têm renda independente e vida privada, mas os vizinhos planejam e gerenciam colaborativamente as atividades da comunidade e os espaços compartilhados.

A estrutura legal é tipicamente uma associação de proprietários ou uma cooperativa habitacional.

#Hospice

O hospice é um lugar destinado a pessoas portadoras de doenças letais, sobretudo no período em que a terapia de cura torna-se ineficaz e a terapia paliativa torna-se imprescindível. Pacientes que possuem doenças avançadas e incuráveis, em fase terminal ou não, bem como pacientes que necessitam de cuidados especializados no controle de sintomas ou de pequenas intervenções clínicas.

Traz o conceito e a filosofia de cuidados paliativos e envolve atendimento, inclusive para a família no pós-luto.

E então? Já pensou que estilo combina mais com você? Nada impede a gente de seguir o seu Antonio, da Agerip, e criar algo, não é mesmo?!

Pandemia expõe ruído grave na comunicação com idosos

Faltam campanhas que falem com essa parcela da população e ensinem, inclusive, ao profissional da saúde dialogar sobre temas como a disparada do HIV entre os 60+

Por aqui enfrentamos com todos os cuidados mais este “fim de mundo”. E espero sinceramente estar viva para acompanhar o próximo. Mas não é tão simples assim com a comunidade do entorno. Dentro da própria família, muitos insistem em zanzar por aí como se a Covid-19 não pudesse lhes atingir. Hoje cedo mesmo tive um entrevero com um tio 80+, que decidiu visitar os meus pais porque “isso daí é só coisa de outros países”, como ele esbraveja.  É o tipo de atitude que joga todo o esforço de prevenção por terra.

Tenho pai e mãe de 77 e 71 anos, respectivamente. Minha mãe, que serviu de inspiração para muitas pautas desse blog, tem exatamente tudo que esses serezinhos precisam para se proliferar: venceu o câncer, é cardiopata e enfrenta problemas dos sistemas respiratório e renal por conta do mau funcionamento do coração. Enfim, tem dores crônicas e incapacidades funcionais.

Custou um pouco, mas eles entenderam que um dos motivos das complicações serem mais comuns em pessoas acima dos 50 anos é a imunossenescência. Um processo natural do envelhecimento, que diminui a capacidade do sistema imunológico.

Assim, o risco de infecção e possíveis complicações serão sempre maiores, independentemente do novo coronavírus.  Nesse caso, porém, o problema é a velocidade da contaminação, que pode fazer todo mundo ficar doente ao mesmo tempo, provocando uma sobrecarga no atendimento de emergência. 

Na contramão do projeto terapêutico

A mídia de massa, aquela mesma tão criticada, ajuda bastante nessa conscientização, pois é difícil fazê-los aderir a essa batalha global. E mais ainda afastá-los de sua rede de suporte social, sem desconstruir todo o projeto terapêutico desenvolvido justamente com base em atividades coletivas e contato com seus pares.

Circula na internet uma edição da coletiva do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, nos pedindo para cuidar nos nossos idosos e isso envolve fazer justamente o contrário do que vinha sendo feito para lhes proporcionar um pouco mais de autonomia e independência.  Não há que se questionar a medida, embora o próprio governo esteja fomentando a confusão. Mas não há nada de efetivo que fale diretamente com eles para nos apoiar nessa missão. E já faz tempo que observo esse quadro.

Cogitou-se investir R$ 4,8 milhões numa campanha contra medidas de isolamento, mas nem um centavo para criar um canal de diálogo com os quase 22 milhões de idosos, sendo 4 milhões deles vivendo sozinhos, segundo o IBGE.

Aliás, na sociedade que começa a perceber o tamanho do Brasil Sênior – e ainda vê apenas um problemão no envelhecimento da população – há muito marketing para os maduros descolados e quase nada para aqueles que enfrentam a senescência fora dos estereótipos.  

Mas em tempos de pandemia, quando especialistas de toda ordem se proliferam num ritmo quase tão contagioso como do novo coronavírus, é preciso lembrar que a velhice é heterogênea, o que a torna uma experiência muito peculiar.  

Então, como melhorar a comunicação com esse público tão diverso?

É evidente que se a tecnologia está a nosso favor, também impõe inúmeros desafios…

Em meio à infestação de lives nas redes sociais, identificar poucos e bons conteúdo, de credibilidade, e garantir o amplo acesso disseminando informações em pontos estratégicos como elevadores, transporte públicos, mercados, farmácias e nas próprias Unidades Básicas de Saúde (UBS), por exemplo, poderia contribuir para criar um diálogo eficiente para além da pandemia.

Pois é pensando no que podemos aprender com ela, que me vem à mente outro vírus que tem acometido a mesma parcela da população. Dados do último boletim epidemiológico HIV / Aids divulgado pelo Ministério da Saúde mostram que no Brasil, nos últimos dez anos, o número de pessoas 60+ com HIV cresceu 103%.

Os fatores são diversos, mas estão relacionados ao comportamento, à vida sexual da população dessa faixa etária. E passam pelo aumento da maior expectativa de vida em geral até a proliferação, nos últimos anos, do uso de medicamentos para disfunção erétil.

Como se trata de uma geração que, muitas vezes, não aderiu à cultura do uso do preservativo, a incidência do HIV tem aumentado muito. E as doenças sexualmente transmissíveis também. Muitas inclusive, preveníveis com exames de rotina, caso do papanicolau. Mas os médicos simplesmente não pedem porque ainda é tabu falar sobre sexo com os mais velhos até para os profissionais da saúde.

“A formação de profissionais de saúde não contempla conteúdos informativos referentes à abordagem da sexualidade na velhice e, de modo geral, temos dificuldade de reconhecer a sexualidade como uma necessidade da vida humana. Daí a dificuldade também em reconhecer esse campo de atuação em nossa prática profissional”, escreve a doutora em Gerontologia Laís Lopes Delfino, em “Revolução da Longevidade e Pluralidade do Envelhecer” (Senac). 

O fato é que, com tanta informação disponível, será que seremos capazes de mudar nosso comportamento?  O que poderíamos aprender com o tsunami de dados que nos arrasta diuturnamente?

Yuval Noah Harari, no capítulo Paradoxo do Conhecimento, de “Homo Deus” (Companhia das Letras), coloca a seguinte questão: “De que vale fazer predições se elas não forem capazes de provocar mudanças ?”

Espero que, ao colocar nosso frágil teto de vidro à prova, a pandemia sirva para abrir nossos olhos e mentes para a necessidade de profundas discussões que desenvolvam políticas públicas para enfrentar o envelhecimento com mais sabedoria em todas as frentes necessárias. Cuidem-se!

E fiquem em casa.

Consequências da adoção de idosos: um debate necessário

Quem não se lembra do velho comercial de margarina, muito popular nos anos 90, que originou o termo “Família Doriana”, que ostentava uma família tradicional e feliz? Como se vê, não é de hoje que o mito de que toda a família é maravilhosa precisa ser desconstruído. Porque não é. Agora, um projeto de lei propõe adoção de idosos por famílias substitutas e abre também a oportunidade de dialogar sobre o planejamento de moradia para idosos.

É algo que precisa ser repensado diante da estrutura familiar contemporânea e das diversas necessidades da população envelhecida.

O projeto 5532, de autoria do deputado Ossésio Silva (Republicanos-PE), estabelece modelos de acolhimento, curatela ou adoção em famílias substitutas. A proposta determina que se peça ao idoso lúcido o consentimento dele antes de encaminhá-lo à nova família. Obriga ainda que haja o acompanhamento posterior por uma equipe multiprofissional.

A ideia foi abraçada pela ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. E, à primeira vista, pode até parecer algo benevolente.

Mas marcos legais, como o Estatuto do Idoso e a Política Nacional dos Idosos, já existem e abarcam uma infinidade de questões mais urgentes que sequer são cumpridas. E para que uma nova legislação, quando não se dá conta das já existentes, é a primeira pergunta que deve ser feita.

Responsabilidade compartilhada

De toda forma, está previsto que a responsabilidade de cuidar deve ser compartilhada entre Estado, sociedade e família. O que a adoção faria não seria, mais uma vez, jogar todo o ônus nas famílias, que hoje não têm mais condições de manter alguém em casa como cuidador? As mulheres que antigamente faziam esse papel trabalham e o orçamento familiar depende cada vez mais dessa mão de obra.

Outra questão importante é como conceituar o termo “adoção”. Envolveria levar para casa? Tão somente apadrinhar? Como se daria esse processo? O que significa adotar uma pessoa madura, com experiência de vida, sem correr o risco de infantilizá-la?

Ponto não esclarecido ainda é quem poderá escolher ser adotado: idosos interditados pelos filhos, abandonados pelas famílias, somente em situações de vulnerabilidade?  E, em casos nos quais o idoso começa a demenciar depois de adotado, como se dará os cuidados? Será mantido na família adotante? Será devolvido? Mas para quem?

Carga emocional é alta

Mesmo em condições saudáveis, quais serão as consequências de se levar um idoso para casa? É notório que o trabalho de cuidador não é fácil. Envolve custos financeiros e emocionais altíssimos. 

E não está claro no projeto de lei, como destaca a advogada Nátalia Verdi, mestre em Gerontologia e especialista em Direito Médico e Hospitalar, questões como as patrimoniais. Em caso de morte, quem serão os herdeiros?  “É um projeto que tende a ampliar a judicialização.” 

Concorda com ela a advogada Karime Costalunga, membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “O papel do cuidador extrapola alguns limites e há uma linha tênue nessa relação. Já tive inúmeros casos em que após a morte do idoso, houve requisição do contratado pela aposentadoria do mesmo por união estável”, conta.

Questão financeira estimula violência

Especialistas como Karime e Natalia são unânimes: questões financeiras podem estimular ainda mais a violência. E fazem ainda um alerta. A adoção não pode ser vista como contraponto à Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI).

Esses locais precisam parar de ser vistos como depósitos de velhos e ambientes de mendicância. Precisam começar a serem tratados como moradias com condições de dar suporte aos idosos diante de todas as suas necessidades.  

“Os esforços do governo deveriam ser concentrados nessas casas de acolhimento, que recebem idosos em situação de abandono”, observa o gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.

A demanda que existe é por cuidados. E é uma demanda grande. Pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que apenas 6,6% das instituições de acolhimento do País são públicas.

A maioria delas é mantida pelos municípios e apenas duas são administradas pelo governo federal. Ao todo, 62.980 idosos vivem em abrigos públicos e particulares, segundo o Ministério da Cidadania.

Passou da hora de olhar melhor para as ILPIs e de investir em moradias alternativas.

Leia também: Compartilhar moradia melhora qualidade de vida

Agenda 2030: um instrumento para provocar o senso de coletividade

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável podem ajudar a alinhar as causas do envelhecimento numa única direção e dar força aos movimentos para inclusão nos programas dos próximos prefeitos

Quando se vive numa cidade grande como São Paulo, que esfrega na cara da gente a todo o momento, que você compartilha o mesmo espaço com outras pessoas, a civilidade tende a crescer se não por educação ou pela vergonha, pelo peso no bolso.

Um exemplo recente é o caso da proibição de plásticos no comércio da cidade, com multa de até R$ 8 mil. Bem ou mal, o método conscientiza ao abrir o debate. Mas fora dos grandes centros há muito contraste.  É a mesma coisa com o envelhecimento populacional.

O tema – e os desafios para a saúde pública derivados dele – ganharam força na agenda nacional nos últimos anos. E não é porque virou moda ser um digital influencer maduro e o mercado finalmente despertou para o potencial dessa turma. É de fato um assunto relevante, porque o processo de transição demográfica, somado ao aumento da expectativa de vida e da queda na taxa de natalidade, já provoca mudanças que afetam todo mundo: quem envelhece, a família de quem envelhece, a sociedade, os setores público e privado.

Mais avós do que netos

Já há no mundo mais idosos que crianças, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).  São 705 milhões de pessoas acima de 65 anos contra 680 milhões entre zero e quatro anos. As estimativas apontam para um crescente desequilíbrio entre os mais velhos e os mais jovens até 2050 – haverá duas pessoas com mais de 65 anos para cada uma entre zero e quatro anos.

Esta mudança na relação intergeracional é inédita, pois o mundo sempre teve uma estrutura etária rejuvenescida, mas está em processo acelerado de envelhecimento populacional e terá uma estrutura, inquestionavelmente, envelhecida antes do fim deste século. No caso brasileiro, o processo é ainda mais precoce e acelerado.

No Brasil, o número de idosos de 65 anos e mais de idade ultrapassou o número de crianças pequenas de 0 a 4 anos no ano de 2013 e vai superar o número de crianças e jovens de 0 a 14 anos em 2037. Portanto, o Brasil está mais adiantado no processo de envelhecimento do que a média mundial e será um País, efetivamente, idoso a partir de 2037.

Menos eu, mais nós

Não podemos demorar em aprender a lidar com isso o tanto quanto demoramos sobre a importância de se preservar o meio ambiente – que deveria ser a causa primária de tudo já que sem recursos não existe vida.  Há muito pouco senso coletivo fora dos grandes centros. É preciso provocá-lo.

Fazer entender que a demografia afeta todos os aspectos de nossas vidas. Basta olhar para as pessoas nas ruas, para as casas, para o trânsito, para o consumo.  E que as políticas públicas para promoção da saúde dos idosos desempenham papel crucial na mitigação dos efeitos do envelhecimento da população.

Simplesmente porque indivíduos mais saudáveis são mais capazes de continuar trabalhando por mais tempo e com mais energia, o que poderia resultar em menores custos para sistemas de saúde e previdenciário, por exemplo.

Por isso, é importante encontrar alternativas pautadas pelos interesses coletivos e, sobretudo, assegurar direitos já conquistados, como a gratuidade universal do Sistema Único de Saúde (SUS), que corre riscos de um desmonte neste governo. Para citar um exemplo apenas.

Uma única direção

Isso vale para qualquer causa que se abrace. Está ai o mérito da Agenda 2030 ao reunir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ela ajuda ao reconhecer que o desenvolvimento só será possível se incluir pessoas de todas as idades e de todos os lugares, numa enorme parceria da sociedade civil organizada.

Também nos guia na hora de consultar os programas de governo dos candidatos que concorrem às próximas eleições municipais. Até que ponto eles estarão coordenados com essa agenda global?

Os ODS servem justamente para alinhar nossas causas e lutas numa única direção. Além disso, dão força aos movimentos que, no fim das contas, deveriam ter o mesmo propósito de não deixar ninguém para trás.

O perigo mora dentro de casa

Mortes por queda quadruplicaram em São Paulo na última década, se aproximando do número de homicídios. Os dados, do Boletim Epidemiológico Paulista, divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde, não são novos, mas juntamente com a comoção causada pela morte do apresentador Gugu Liberato, aos 60 anos, abrem oportunidades para o debate sobre um grave problema de Saúde Pública.

É que a queda está entre as principais responsáveis pela morte da população idosa e também pode ser causada por sintomas de DCNTs (Doenças Crônicas Não Transmissíveis), caso das cardiorrespiratórias, do câncer e da depressão. Aparentemente não foi esse o caso de Gugu. O apresentador teria apenas tomado uma decisão errada ao subir em um local perigoso.

Mas mesmo que estivesse em perfeita condições físicas e cognitivas, por que negligenciar os riscos? Gugu era celebridade, mas quantos anônimos não seguem os mesmos passos? E, assim como ocorreu com ele, a própria casa quase sempre é a principal armadilha. 

Nem precisa se aventurar muito. A simples passagem de um cômodo a outro pode se tornar um problema, provocando tombos que causam óbito ou danos irreversíveis. Por isso, identificar previamente os fatores de risco pode contribuir muito para a prevenção. São duas as causas que costumam provocar acidentes:

#Intrínsecas

Quando se relacionam com as transformações fisiológicas do envelhecimento, patologias específicas ou mesmo uso de medicamentos. Exemplos: postura inadequada, doença de Parkinson, osteoporose e depressão.

#Extrínsecas

Quando correspondem ao ambiente de interação do idoso. Exemplos: superfícies escorregadias; calçados não adaptados; iluminação inadequada; escadas sem corrimões; banheiros não adaptados.

Casa segura

Em decorrência das causas extrínsecas, surge por volta dos anos 2000 a arquitetura para a maturidade. E profissionais como Cybele Barros, autora do projeto arquitetônico Casa Segura, são cada vez mais requisitados para desenvolver políticas públicas. O trabalho dela foi aprovado pelo Ministério da Saúde e passou a fazer parte do Programa de Atenção Integral à Saúde do Idoso.

História parecida tem a arquiteta Flávia Raniere. Após adaptar diversos projetos, ela se especializou no envelhecimento da população.  “Os avanços tecnológicos e arquitetônicos vêm se tornando grandes aliados na rotina desse público”, acredita.

Para ajudar a entender a importância de uma casa segura, Flávia mapeou alguns fatores que parecem bobos ou irrelevantes, mas trazem chances de machucados ou tombos. Veja quais são:

#Falta de luz adequada

Conforme a idade avança, a visão também envelhece e sofre degeneração. Usar óculos é bastante comum, mas mesmo assim, não impossibilita a limitação visual. Sem enxergar clara e nitidamente, há mais chances de tropeçar, escorregar e bater em móveis.

A solução

Exagere no número de pontos de luzes. Quanto mais, melhor. Abuse de pendentes, arandelas, abajures, luminárias de mesa e spot de piso, que aumentam a iluminação de paredes, escadas e corredores. Para esses pontos de apoios, prefira opções com dimer, que permite o ajuste gradual da intensidade da luz. Para quem puder investir, um sistema de automação pode ser instalado para quando a pessoa se levantar do sofá ou da cama no escuro, uma luz de vigília no piso é acionada, ajudando a se localizar e se deslocar, por exemplo, até o banheiro.

#Quinas

Com o tempo, a derme, camada intermediária da pele, perde elasticidade, hidratação e oleosidade. Isso resulta em uma pele mais fina, frágil e mais vulnerável a machucados, infecções e doenças em geral. Uma simples esbarrada nas quinas dos móveis pode machucar a pele mais delicada. E um simples machucadinho pode se tornar um grande problema.

A solução

Aposte nas quinas arredondadas. Por não terem as temíveis pontas, não ocasionam lesões mais graves. Se não puder trocar o móvel, em lojas de produtos para casa é possível encontrar adaptadores de silicone, que são facilmente acoplados nas quinas tradicionais e fazem o serviço.

# Pisos e tapetes

Escorregar no chão liso e tropeçar em tapetes são acidentes comuns em qualquer casa. Onde moram pessoas mais velhas, com a mobilidade já comprometida, esses acontecimentos são mais recorrentes. Um piso escorregadio e tapetes mal posicionados podem causar mais do que uma simples queda.

A solução

Pisos emborrachados e vinílicos antiderrapantes, por exemplo, dificultam as quedas. Eles são encontrados em várias padronagens e cores. Os tapetes têm uma função importante de acústica e limitação de espaço e não precisam ser eliminados, apenas usados de maneira estratégica. Alinhe-os com o piso, sem desnível, e só os posicione em lugares que garantam a segurança, por exemplo, cobrindo todo o piso da sala.

#Móveis não adaptados

Camas altas demais ou baixas demais exigem um esforço que nem todo mundo tem quando atinge certa idade. Cadeiras com rodinhas podem virar e derrubar quem estiver sentado. Bancadas baixas impedem o encaixe de uma cadeira de rodas. Quando os móveis de uma casa não são adaptados para quem mora nela, viver ali vira um tormento. Além de riscos à saúde, compromete a mobilidade do morador.

A solução

Opte por elementos com contraste, cores vibrantes e formas diferentes. Assim, os objetos da casa ficam mais visíveis e fáceis de serem desviados.

E então? Com toda essa informação disponível já dá para tomar alguma precaução, não é?

Saiba mais:

Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa

Manual de prevenção de quedas da pessoa idosa

Saúde da pessoa idosa: prevenção e promoção à saúde integral

Ouvir sem julgar é uma das práticas mais difíceis da gerontologia

Já tinha um tema pronto na cabeça quando abri o laptop para escrever. Eis que mal havia me sentado e recebo no WhatsApp uma frase de uma amiga querida, que além de ser minha segunda mãe, é um ser humano exemplar à beira dos seus 70 anos: “Quando ficar velha não quero parecer mais jovem. Quero parecer mais feliz.” O Google credita a colocação à Anna Magnani, atriz italiana de grande sucesso, que morreu em 1973, aos 65 anos.

Foi assim, inspirada por elas, que decidi deixar de lado teorias e estatísticas para contar um pouco mais da minha própria experiência ao estudar a ciência do envelhecimento. Até porque a proposta desta Casa é buscar soluções para o Brasil Sênior a partir de vivências reais. Não que os estudos teóricos não sejam importantes. Não é isso.

Tanto que atualmente estou matriculada em dois cursos: Direito da Pessoa Idosa, pelo IBAM; e Gerontologia, pelo SENAC. Já fiz também Envelhecimento da População, pela Fiocruz. Posso dizer, contudo, que nunca aprendi tanto quanto na minha primeira hora num lar de idosos. É mesmo na prática que se testa o conhecimento, independentemente da área de atuação.

E, para quem já foi repórter como eu, ficou muito claro que se lugar de jornalista é na rua, o de gerontóloga também é. As ruas me contaram detalhes que não constam nos livros. Por isso, gostaria de compartilhar atitudes inspiradoras não só aos que se encontram na velhice como a quem caminha para ela.

Minha proposta é começar pelas histórias que espero ouvir durante meu trabalho na ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos), o nome politicamente correto que deram para os asilos. Semanalmente me encontrarei com os 19 assistidos por lá. Não será tarefa fácil. Eu bem sei.  

Heterogeneidade respeitada

É um trabalho que envolve compreender essas pessoas para planejar algum tipo de intervenção que leve um pouco mais de bem-estar, alegria e, porque não, felicidade a cada uma delas. Sem, contudo, deixar de lado seu passado, respeitando a heterogeneidade. Confesso que esse desafio estava me afligindo, já que para muitos ali é o ponto final.

Mas como a vida não vem como idealizamos, um produto com itens de fábrica, só nos resta agradecer o que nos foi entregue. E essa aflição não demorou a passar. 

Era por volta de 16h no feriado de 15 de novembro quando recebi a ligação de uma colega de turma do IBAM. Era Marilza, pedagoga, do Rio, 65 anos, diversos cursos na área do Envelhecimento e muita disposição em ajudar voluntariamente idosos que não tiveram as mesmas oportunidades que ela.

Escuta compassiva

O quê aprendi nessa hora de papo, ouvindo a Marilza? Que nem sempre é preciso tanto estudo quando existe disposição para se envolver. Às vezes, um ouvido compassivo basta.

Ouvir sem julgar pode ser a melhor intervenção quando não há mais muito a se fazer. Às vezes, surte muito mais resultado do que esse monte de regras prontas que infligimos principalmente aos nossos familiares que enfrentam essa fase da vida.

Assim, a minha teoria inicial, que seria comprovar o benefício da implantação de uma ação imposta qualquer, caiu por terra. Creio que nada será mais válido do que eles me contarem suas histórias e me mostrarem, por meio delas, o que desejam para si. A mim, cabe simplesmente emprestar meu ouvido.