Sociedade se acostumou a condenar quem “larga” seu idoso em um asilo

Mas só quem passa por esta experiência sabe quanto delicada é a situação e difícil este caminho. É o que nos conta Eliane Sobral *, na história a seguir. O relato abre uma série de casos da vida real, que vão ilustrar as dores e as delícias do envelhecer.  Acompanhem!

Hoje ela faz 85 anos. E há 56 anos e nove meses estamos juntas. Do passado distante, lembro das unhas sempre compridas e pintadas de vermelho. Ela sempre adorou vermelho. Lembro do batom – aquele de estojinho verde da Avon e do perfume Toque de Amor (que eu usava escondido para ir para a escola). Lembro que sempre foi uma mulher bonita, vaidosa. E, apesar dos poucos recursos dos quais dispúnhamos, estava sempre muito bem arrumada. 

Veio de Pernambuco com 14 anos. A viagem no pau-de-arara durou três dias e três noites, como ela sempre gosta de contar. Chegou em São Paulo sem eira e nem beira. Foi trabalhar de doméstica, chorou de fome e, quando ascendeu profissionalmente, virou metalúrgica. 

Sempre teve em mente que teria sua própria casa para morar e não mais que dois filhos. Acabou adotando a terceira. Lembro de um conjunto de lã verde musgo. Saia e casaquinho com botões grandes nas costas. Lembro também de um vestido florido, também verde, e de um blazer com grandes flores vermelhas que ganhou do meu pai – não sei se no dia das mães ou em um 14 de setembro. O vestido de noiva – lindíssimo – não sobrou nada. Retalhei para fazer roupinhas para as minhas bonecas… 

Sempre foi uma mulher forte e de opinião. Puxou a peixeira para uma vizinha que insistia em chamar sua mais velha, em tom jocoso, de baianinha. Todos na casa rezavam pela sua cartilha e quem quisesse contrariar ou pedir algo, sempre esperava ela acender o cigarro porque aparentava ficar mais calma. 

Não foi mulher de muitos amantes. Mas os que passaram por sua vida, estavam sempre a seus pés. Por medo, respeito e amor. Aqui também era ela quem dava as cartas. 

Quando perdeu o primeiro marido, acusou o golpe, mas não caiu. Com o segundo foi diferente. Não que gostasse mais deste do que daquele. Com o primeiro viveu mais de 30 anos. Com o segundo, não passou dos sete. O primeiro, porém, foi companheiro de batalha, de vida dura, de educar as filhas, dar conta da casa, de pagar as contas. O segundo veio quando ela achava que já tinha cumprido a missão. Daí, só bailes da terceira idade, escapadas para a praia, pizzas às sextas e até um estoque de filmes pornô. 

Quando o segundo se foi, parece ter levado também essa alegria de viver. Não sei se ela se achou velha para começar de novo, se não teve forças para recomeçar – mais uma vez. Fato é que se deixou cair. E nunca mais se levantou. Como os anos não diminuíram seu ímpeto, nem sua personalidade difícil, logo ela se transformou em uma questão a ser administrada pelas filhas. 

Dizem que quando envelhecemos, voltamos a ser criança. Não creio. Porque criança, normalmente, obedece aos mais velhos. Já os mais velhos… Ah, estes! 

Disposta a fazer nada e passar o dia inteiro diante da televisão, logo ela começou a ter dificuldades de locomoção. Inexplicavelmente começou a cair – mas os tombos só aconteciam quando havia alguém por perto para acudir. 

Foi viver com a filha do meio, pelo tempo necessário para se recuperar e voltar para a própria casa. Ficou duas semanas. Não queria fazer fisioterapia, muito menos seguir as recomendações de uma nutricionista. Não se dava também com a empregada que as filhas contrataram para cuidar dela. Enfim, quanto mais o tempo passava, mais caótica ficava a situação. Até que ela própria pediu que procurassem uma casa de saúde, onde ela pudesse se recuperar. 

Depois de inúmeras tentativas, ela parece estar bem na casa atual. Mas em todas, e é bom que se ressalve, em absolutamente todas, é ela que manda prender e manda soltar. As cuidadoras parecem ter um carinho verdadeiro por ela. E os demais internos, claramente, têm medo. Só ela tem uma poltrona exclusiva na sala de TV. E ninguém, em sã ou insana consciência, se atreve a sentar lá, quando ela dá uma saidinha. Fisioterapia, faz quando tem vontade – e quase nunca tem. 

O combinado era ela se empenhar na fisio, na dieta, ficar bem e voltar para a casa dela. Nunca cumpriu. 

Por muito tempo, muito mesmo, convivi com a culpa de ter colocado minha mãe num asilo. E várias vezes ela própria disse que nunca imaginou que, tendo três filhas mulheres, iria parar num asilo. 

Durante muito tempo a culpa foi minha companheira constante. E eu não conseguia assimilar como uma mulher como ela, a chefe da família, a geniosa, a manda chuva, tinha se deixado levar àquele ponto. Demorou muitos anos para que eu entendesse que ela fez as escolhas erradas e pagou por isso. E que, por mais que eu quisesse e tentasse, não a teria feito enxergar de outra forma.

Hoje, percebo que cada um escolhe seu caminho. Que o outro pode alertar, ajudar, indicar atalhos, mas escolha é e será sempre de cada um. Nestes dez anos que ela está num asilo, ou numa casa de repouso, ou numa clínica, como eu e minhas irmãs preferimos chamar, ela nunca ficou sem receber nossa visita.

Minha irmã mais velha vai aos sábados, eu aos domingos. A mais nova vai quando dá. Antes da pandemia, ela vinha sempre passar uns dias na minha casa, especialmente em feriados prolongados. Os passeios também sempre foram constantes. Praia, feijoada na quadra da escola de samba, que ela adora. Enfim, o que está ao nosso alcance e sempre um pouco mais. 

Nos últimos tempos, tenho dito e repetido que se cheguei aonde cheguei, se sou quem eu sou, devo a ela. E agradeço. Percebo que ela fica orgulhosa e com aquele olhar de “missão cumprida”. 

Hoje ela faz 85 anos. Está bem cuidada, saudável, tocando o terror no asilo e sendo paparicada pelas cuidadoras. Custou-me muito ficar com o coração em paz – embora eu ainda me pergunte se fizemos o certo ou não. 

Minha irmã mais velha se incomodava um pouco com o que os outros iam pensar sobre a decisão de colocar nossa mãe num asilo. Não sei se ainda se incomoda. A mim, nunca incomodou. E não incomodará. Porque só ela, eu e as minhas irmãs sabemos da nossa história. 

A mim o que importa é que ela esteja bem. Que tenha sempre a certeza de que ela é o grande amor da minha vida. E que, quando a pandemia passar, eu vou tocar Spyrogiro do Jorge Benjor, que ela ama, sempre que ela entrar no meu carro para gente ir passear.  

*Eliane Sobral, filha do meio da dona Maria do Carmo Barbosa Sobral, que em 14 de setembro de 2020 faz 85 anos, é jornalista e colaboradora do Casa de Mãe.  

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Como habitarei quando envelhecer?

Diante do isolamento imposto pela pandemia e da releitura comentada entre amigas da saga solitária da estirpe dos Buendía, em “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, me volta à mente como nosso jeito de levar a vida e nossa rede de relações são vitais para envelhecer bem. É pelo lado financeiro, mas é também pelo suporte do convívio social que o envelhecimento nos leva a procurar por novas formas de viver.

Já tratei desta tendência em “Moradia compartilhada melhora qualidade de vida”, mas volto ao tema porque o déficit habitacional é assunto recorrente e ao optar por estudar a ciência do envelhecimento tenho notado grande desconhecimento e até preconceito sobre as opções habitacionais, principalmente quando cabe à família dar o voto de minerva. Ou até decidir sobre as práticas paliativistas, quando há necessidade de cuidados a um paciente incurável.

Há certo mal estar porque é difícil entender que é, de fato, melhor para todo mundo estar no lugar adequado.  Então é preciso destacar, reforçar, divulgar e até nos educar para a pluralidade do envelhecimento.

Não é porque o sujeito faz 60 anos – quando se convencionou estabelecer “idosa” a população – que vai começar a se identificar com as mesmas coisas. E, por isso, nem todo mundo vai querer morar do mesmo jeito.  E isso não depende de ter ou não filhos.

Já pensou quem vai cuidar de você se for necessário?

Essa mudança de costumes avança muito no discurso e até na construção das leis, mas demora à beça pra se incorporar na nossa vida. Ainda hoje falar em cuidados paliativos ou em asilo soa como algo cruel, como despejar a pessoa num depósito de velho.

A própria palavra asilo – inicialmente dirigidos à população carente que necessitava de abrigo, frutos da caridade cristã diante da ausência de políticas públicas – traz em sua gênese a ideia de isolamento e solidão e, por esse e outros motivos, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia indicou a substituição para ILPI – Instituição de Longa Permanência para Idosos.

Apenas 6,6% das ILPIs são públicas

Hoje, o País já conta com 3.500 ILPIs, sendo a maioria privada. Apenas 6,6% são públicas, com predominância das municipais, o que corresponde a 218 instituições, número bem menor do que o de instituições religiosas vicentinas, aproximadamente 700. Os números são de artigo publicado na Revista de Estudos Populacionais.

A institucionalização do idoso é uma opção de moradia já bem conhecida por todos. E claro que há casos e casos.  “Tudo está relacionado ao grau de dependência do idoso. Seja física, cognitiva ou financeira”, diz Luisa Regina Pessôa, arquiteta aposentada da Fiocruz e à frente de um projeto num condomínio para sêniores em Búzios, no Rio de Janeiro.

Lá, oito amigos estão reunidos pela proximidade das casas e pela segurança de poderem contar um com o outro, mesmo antes do isolamento imposto pela pandemia. “Acho que essa modalidade pode ir se ajustando ao nosso envelhecimento e a cada grau de necessidade e independência”, avalia Luisa.

Um lar monitorado

Foi justamente pensando nas diferentes necessidades desse público que o empresário Leonardo Pisani idealizou ACASA, um serviço de hospedagem assistida que se propõe a melhorar a qualidade de vida dos idosos. Trata-se de um formato aos moldes de negócio do “assisted living”, adotada pelas grandes redes de lares de idosos dos Estados Unidos.

“Buscamos trazer para o Brasil o modelo de vida em uma comunidade de idosos, onde o hóspede pode trocar experiências, praticar diversas atividades e ter todo o suporte de uma equipe multidisciplinar especializada”, conta. Tudo sem perder a liberdade de tornar aquele cantinho no seu lar.

Embora só agora esses conceitos ganhem destaque, nem são assim tão novos. Em 1975, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, nascia um projeto pioneiro de um grupo de amigos liderado por Antonio Correa Leite, que idealizou um local onde as pessoas pudessem envelhecer com dignidade, tranquilidade e saúde, além de ter todos os benefícios de um condomínio fechado.

Já naquela época previu a necessidade de profissionais para atuar na área da saúde para atendimento aos moradores. Com o passar dos anos, o que era algo entre amigos se transformou em negócio, com a adesão de novos investidores, originando a Associação Residencial – A Agerip.

E quem não tem acesso?

É importante abrir um debate para que essas novas formas de morar se multipliquem para além daqueles que podem pagar, já que alternativas para diferentes condições de saúde e de capacidade funcional não faltam, mas poucos têm ou terão acesso a elas pelos altos custos.

São mínimas as políticas públicas habitacionais que asseguram moradia digna. O déficit habitacional brasileiro é de mais de oito milhões de moradias, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). E a situação piora diante das necessidades dos idosos.

Por isso, é urgente entender a transição demográfica pela qual o País atravessa debater soluções e cobrar dos futuros candidatos propostas voltadas aos problemas deste Brasil Sênior.

O primeiro passo é conhecer um pouco mais do que já existe disponível, abrir a nossa mente e nos despir de preconceitos para as novidades que possam surgir.

Vamos juntos?

#ILPIs

Residências coletivas, que atendem idosos com necessidade de cuidados prolongados. Podem ser governamentais ou não, mas o tratamento médico não é o elemento central do atendimento.

#Asilos

Lar destinado acolher idosos sem recursos financeiros, essencialmente de responsabilidade pública.  Atendimento inclui alimentação, higiene e saúde.

#Casas de Repouso

Destinada à prestação de serviços médicos, de enfermagem e demais serviços de apoio terapêutico. Instituições governamentais ou não governamentais. Regime de internato. Só podem ter médico como responsável técnico.

#Moradia assistida

É uma residência inclusiva, mas não é uma clínica, nem um local de tratamento, mas uma variação da tradicional casa de repouso. No local, as pessoas têm liberdade para fazer dele um lar. São residências adaptadas às necessidades especiais, individuais e coletivas dos atendidos por elas.

#Centro-Dia

O Centro-dia é um serviço social previsto na Política Nacional do Idoso que atende pessoas com 60 anos que necessitam de cuidados durante o dia e que à noite voltam para suas casas, mantendo assim os vínculos sociais e familiares. Podem ser públicas ou privadas.

#Coliving

É um nome chique para a tradicional República. Quem lembra? Isso porque nesse modelo as pessoas têm o seu próprio quarto, mas compartilham os outros ambientes da casa, como cozinha, sala e varanda. E todo mundo colabora.

A vida em comunidade e o compartilhamento de espaços comuns que caracterizam o coliving atraem cada vez mais idosos, que querem viver sob o lema da partilha de experiências. Pensando nisso, foi lançado a Coliiv, startup que funciona como uma espécie de Tinder da moradia para os maduros.

#Cohousing

São casas particulares agrupadas em torno de espaço compartilhado. Cada casa anexa ou unifamiliar possui acomodações tradicionais. As famílias têm renda independente e vida privada, mas os vizinhos planejam e gerenciam colaborativamente as atividades da comunidade e os espaços compartilhados.

A estrutura legal é tipicamente uma associação de proprietários ou uma cooperativa habitacional.

#Hospice

O hospice é um lugar destinado a pessoas portadoras de doenças letais, sobretudo no período em que a terapia de cura torna-se ineficaz e a terapia paliativa torna-se imprescindível. Pacientes que possuem doenças avançadas e incuráveis, em fase terminal ou não, bem como pacientes que necessitam de cuidados especializados no controle de sintomas ou de pequenas intervenções clínicas.

Traz o conceito e a filosofia de cuidados paliativos e envolve atendimento, inclusive para a família no pós-luto.

E então? Já pensou que estilo combina mais com você? Nada impede a gente de seguir o seu Antonio, da Agerip, e criar algo, não é mesmo?!

Consequências da adoção de idosos: um debate necessário

Quem não se lembra do velho comercial de margarina, muito popular nos anos 90, que originou o termo “Família Doriana”, que ostentava uma família tradicional e feliz? Como se vê, não é de hoje que o mito de que toda a família é maravilhosa precisa ser desconstruído. Porque não é. Agora, um projeto de lei propõe adoção de idosos por famílias substitutas e abre também a oportunidade de dialogar sobre o planejamento de moradia para idosos.

É algo que precisa ser repensado diante da estrutura familiar contemporânea e das diversas necessidades da população envelhecida.

O projeto 5532, de autoria do deputado Ossésio Silva (Republicanos-PE), estabelece modelos de acolhimento, curatela ou adoção em famílias substitutas. A proposta determina que se peça ao idoso lúcido o consentimento dele antes de encaminhá-lo à nova família. Obriga ainda que haja o acompanhamento posterior por uma equipe multiprofissional.

A ideia foi abraçada pela ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. E, à primeira vista, pode até parecer algo benevolente.

Mas marcos legais, como o Estatuto do Idoso e a Política Nacional dos Idosos, já existem e abarcam uma infinidade de questões mais urgentes que sequer são cumpridas. E para que uma nova legislação, quando não se dá conta das já existentes, é a primeira pergunta que deve ser feita.

Responsabilidade compartilhada

De toda forma, está previsto que a responsabilidade de cuidar deve ser compartilhada entre Estado, sociedade e família. O que a adoção faria não seria, mais uma vez, jogar todo o ônus nas famílias, que hoje não têm mais condições de manter alguém em casa como cuidador? As mulheres que antigamente faziam esse papel trabalham e o orçamento familiar depende cada vez mais dessa mão de obra.

Outra questão importante é como conceituar o termo “adoção”. Envolveria levar para casa? Tão somente apadrinhar? Como se daria esse processo? O que significa adotar uma pessoa madura, com experiência de vida, sem correr o risco de infantilizá-la?

Ponto não esclarecido ainda é quem poderá escolher ser adotado: idosos interditados pelos filhos, abandonados pelas famílias, somente em situações de vulnerabilidade?  E, em casos nos quais o idoso começa a demenciar depois de adotado, como se dará os cuidados? Será mantido na família adotante? Será devolvido? Mas para quem?

Carga emocional é alta

Mesmo em condições saudáveis, quais serão as consequências de se levar um idoso para casa? É notório que o trabalho de cuidador não é fácil. Envolve custos financeiros e emocionais altíssimos. 

E não está claro no projeto de lei, como destaca a advogada Nátalia Verdi, mestre em Gerontologia e especialista em Direito Médico e Hospitalar, questões como as patrimoniais. Em caso de morte, quem serão os herdeiros?  “É um projeto que tende a ampliar a judicialização.” 

Concorda com ela a advogada Karime Costalunga, membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “O papel do cuidador extrapola alguns limites e há uma linha tênue nessa relação. Já tive inúmeros casos em que após a morte do idoso, houve requisição do contratado pela aposentadoria do mesmo por união estável”, conta.

Questão financeira estimula violência

Especialistas como Karime e Natalia são unânimes: questões financeiras podem estimular ainda mais a violência. E fazem ainda um alerta. A adoção não pode ser vista como contraponto à Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI).

Esses locais precisam parar de ser vistos como depósitos de velhos e ambientes de mendicância. Precisam começar a serem tratados como moradias com condições de dar suporte aos idosos diante de todas as suas necessidades.  

“Os esforços do governo deveriam ser concentrados nessas casas de acolhimento, que recebem idosos em situação de abandono”, observa o gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.

A demanda que existe é por cuidados. E é uma demanda grande. Pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que apenas 6,6% das instituições de acolhimento do País são públicas.

A maioria delas é mantida pelos municípios e apenas duas são administradas pelo governo federal. Ao todo, 62.980 idosos vivem em abrigos públicos e particulares, segundo o Ministério da Cidadania.

Passou da hora de olhar melhor para as ILPIs e de investir em moradias alternativas.

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Compartilhar moradia melhora qualidade de vida

As tradicionais repúblicas deixaram de ser alternativas apenas para estudantes. A população madura tem adotado novas formas de compartilhar residência. Saiba quais são.

O custo de viver sozinho é alto e ainda há o componente da solidão diante do envelhecimento, um quadro que tem levado a população madura a optar pelas chamadas repúblicas. Aquelas mesmas tradicionalmente criadas por estudantes sem recursos para bancar uma moradia individual.  “A tendência é que as pessoas comecem a se agrupar e compartilhar habitação”, diz a gerontóloga Marília Berzins, presidente do Observatório da Longevidade Humana e do Envelhecimento (OLHE).

Desde que exista autonomia para isso pode ser uma alternativa extremamente benéfica, segundo Marília. Tanto é assim que há movimento crescente no mundo para adotar o formato como política pública. Na Espanha, por exemplo, o conceito de cohousing ganhou campanha da Confederação Espanhola de Organizações de Idosos (Ceoma) e da Living Cohousing, empresa social especializada em construir comunidades criadas e dirigidas pelos moradores.

Neste tipo de habitação cada um vive com privacidade em sua casa e compartilha com pessoas de estilo de vida similar ambientes coletivos, como cozinhas e lavanderias, entre outros.  “É uma nova estratégia de moradia que permite criar um ambiente comunitário que se adapte às necessidades atuais e futuras dos moradores”, avalia Marília.

Primeiros passos

No Brasil, o modelo dá seus primeiros passos, como mostra Boletim de Tendência da Construção Civil do Sebrae.  Mas há um longo caminho a ser percorrido. Por aqui, temos dois casos conhecidos, sendo um em Piracicaba, interior de São Paulo. Outro fica em Búzios, região do Lagos, no Rio de Janeiro.  Uma iniciativa que tem à frente a arquiteta Luisa Regina Pessoa, pesquisadora em Saúde Pública.

Não se trata, porém, de uma experiência clássica do sistema. Lá, as casas podem ser privativas (cohousing) ou compartilhadas (coliving), de acordo com as necessidades de cada um. E a própria área onde estão localizadas as dez residências não é um espaço exclusivo para a iniciativa, mas terrenos comprados dentro de um condomínio comum.  “A construção buscou inspiração nos cohousings, ao garantir espaços particulares para os proprietários”, explica.

Luisa conta que a experiência é resultado do seu tempo de trabalho no Abrigo Cristo Redentor, no Rio. Foi quando percebeu que muitos dos 500 atendidos que lá viviam recebiam aposentadoria, mas não tinha como se manter.  “Na idade mais avançada sobem os gastos com remédios e isso, muitas vezes, impossibilita arcar também com alimentação e moradia”, diz. “Esse quadro me fez buscar uma solução”.

Desde 2009, então, Luisa reuniu um grupo de amigos, profissionais liberais, dispostos a planejar o próprio envelhecimento com autonomia.  Com 63 anos, ela conta que a iniciativa aceita pessoas desde a faixa dos 40, interessadas em morar Búzios. Quem tiver interesse é só entrar em contato pelo e-mail luisareginapessoa@hotmail.com.  As fotos que ilustram esse texto é de uma das casas.

Moradores de Búzios

“O próximo passo é encontrar um caminho para aqueles que começam a perder autonomia, com a criação de serviços de cuidadores que atuem coletivamente nesses condomínios”.

República em Santos é exemplo

Embora a privacidade seja menor no formato de república, exemplos como os de Santos mostram que mesmo dividindo o mesmo teto é possível melhorar a qualidade de vida da população idosa.  Lá, a prefeitura criou um serviço por meio da Secretaria de Assistência Social (Seas) para homens e mulheres com mais de 60 anos que vivem em situação de vulnerabilidade social.

Para habitar a República de Idosos, criada em 1995, é necessário que o interessado tenha autonomia e renda fixa até dois salários mínimos (R$ 1.760,00) para pagar um aluguel simbólico, hoje de R$ 150,00. São 29 vagas distribuídas entre três repúblicas.

Também é preciso triagem feita pela equipe técnica da Seção Repúblicas, explica Celiana Nunes, coordenadora da área. “Um dos pré-requisitos é ter independência física e psíquica, não residir com familiares e ser morador de Santos”.

Como se vê, a ideia não é nova, mas tem ganhado corpo o longo dos anos, inclusive no cinema.  O filme “E se vivêssemos todos juntos?”, de 2012, relata a história de um grupo de amigos de longa data que, cansados das regras do asilo, decide empreender uma aventura do tipo.

Se a opção for criar um espaço independente, como no filme, é recomendável planejamento e análise profundos pelo grupo.  Depois das regras estabelecidas é fundamental eleger um líder, alguém que coloque o combinado em prática e ordem na casa. Se não houver liderança o projeto pode estar fadado ao fracasso.

Deu match!

Para facilitar o encontro entre as pessoas certas, nasceu a Morar.com.vc, startup que é uma espécie de Tinder da moradia.  A plataforma conecta pessoas de qualquer idade, com base  em suas características, demandas e afinidades pessoais. A ideia é encontrar parceiros para morar em cohousing ou coliving.

A empresa nasceu da necessidade das empreendedoras Marta Monteiro, de 64, e Veronique Forat, de 61, de se reinventarem profissionalmente.  Aliás, elas se conheceram num workshop destinado a isso. A dupla percebeu, então, algo em comum: energia de sobra e a vontade de continuar trabalhando.

Como contam no site, o projeto identificou uma demanda da própria geração baby boomer, já que a reinvenção da moradia, junto com a do trabalho, será necessária diante dos muitos anos de vida pela frente.

CONFIRA ALGUMAS VANTAGENS DA MORADIA COMPARTILHADA

Convivência entre iguais

Estimula atividades sociais como passeios e cursos. Também possibilita viagens em grupos e conversas no ambiente da casa.

Redução dos custos

Numa república os custos de aluguel, água, luz, internet, faxineira ou empregada podem ser divididos entre as pessoas moradoras no local. A alimentação também pode ser custeada em grupo. Uma pessoa sozinha gasta mais do que duas juntas. E isto não é impossível. Basta planejar todas as compras e solicitar entrega. Com certeza a economia seria surpreendente e evitaria o desconforto de algumas de comer algo na frente de outras sem oferecer.

Apoio médico

Companhias para exames de laboratório e outras necessidades de saída, quando o idoso de fato não pode ir sozinho ou levar acompanhante da família.

Sociabilidade

Se socializar é fundamental para evitar a depressão, problema recorrente da maioria dos idosos que vivem sozinhos, longe de filhos, netos, irmãos e que perderam os amigos por morte.