Pequenos hábitos, grandes mudanças

Criar rituais aparentemente simples ajuda a educar para promoção da saúde, transformando comportamentos e engajando o paciente na prevenção e no tratamento de doenças 

Arrumar uma mesa linda mesmo quando estou sozinha e tornar a minha refeição um momento de autocuidado é um dos meus rituais prediletos. Também não abro mão de ouvir uma boa música, enquanto tomo uma tacinha de vinho à noite e me besunto de aromas relaxantes de óleos e cremes… Um exagero? Pode até ser. Mas,  para além da estética estão pequenos hábitos agregados que ajudam na promoção da saúde e na prevenção de doenças. 

 

É claro que as pessoas são livres para escolher o que as tornam felizes e saudáveis! Mas acredito que é preciso educar e informar contra escolhas impensadas e prejudiciais. Sem obrigá-las a nada.

 

Isso é promover envelhecimento ativo

 

A teoria já admite que as estratégias de saúde pública não se resumem apenas à ausência de doenças. Então, passa a ser obrigatória uma comunicação para a construção de uma sociedade mais saudável. E diante da atual pandemia da Covid 19, é preciso alertar para outra, ainda mais antiga, que poderá ganhar proporções avassaladoras: a obesidade. 

 

Estudos mostram que o sedentarismo provocado pelo isolamento e a redução de atividade física podem deixar um ônus bem maior do que a gente imagina. Já tratei aqui dos transtornos psicológicos em Sem vacina, é preciso seguir com pequenas doses de liberdade. Há ainda o temor de que um surto de obesidade e doenças cardiovasculares agrave esse cenário. 

 

Isso porque uma queda brusca no nível de condicionamento físico pode ser seguida por um aumento das doenças crônicas. E algumas dessas condições também tornam as pessoas mais propensas a sofrer os efeitos graves da Covid-19, em meio a relatos de segundas ondas de contágio em várias partes do mundo.

 

Do verbo à prática: o desafio de comunicar

 

Eu tenho mantido meus pequenos rituais de autocuidado, mesmo que mais moderados, porque criei o hábito há muitos anos. Faz parte da minha rotina e mesmo quando fica muito difícil é meio automático eu encontrar uma alternativa. Na prática, tenho tido bons resultados não só para mim, mas também para aqueles que vivem ao meu redor.

 

Devagar, o exemplo faz a diferença na vida dos que estão próximos. As mudanças são positivas em todos os aspectos e isso me animou a escrever sobre essa experiência da educação. 

 

Não é algo simples. Nem quando se tem consciência do problema todo é fácil mudar. Mais difícil ainda é encontrar uma forma de se comunicar adequadamente nos diferentes meios e comunidades em que a mensagem precisa chegar. E temos aqui um problemão. 

 

Se as escolhas da maioria são irracionais, há também aquele empurrão da grande indústria que nos leva a consumir grandes quantidades de tudo que não presta. E já é sabido que comer bem não é comer muito, mas com equilíbrio.  

Você tem fome de quê?

 

É claro que sair pra comer fora é bacana, mas por que abandonar os velhos hábitos do feijão com arroz e ovo? Tudo bem que agora temos a polêmica do preço, mas há substitutos como a mandioca e a batata, por exemplo. O que quero dizer é que há certo preconceito cultural ou pelos status que o industrializado traz.  

 

Outro desastre é o que vem escondidinho nas letras miúdas dos rótulos. Sem contar que de uns tempos pra cá as embalagens trazem ali bem disfarçada uma mudança da composição dos produtos. Vide o Leite Ninho que deixou de ser leite para se tornar “composto lácteo” tão discretamente que passou despercebido pela maioria dos mortais. E nem vamos entrar no mérito ou demérito da redução de peso e do aumento de preço, praxe ultimamente. 

 

São vários os absurdos, mas o caso do leite que virou composto lácteo acendeu uma luz vermelha na minha memória. Em 2016 escrevi sobre obesidade infantil para a Revista Problemas Brasileiros e, embora o Casa de Mãe trate sobre longevidade, está tudo entrelaçado. 

Naquela época o cenário já não era bom e nada mudou de lá para cá: uma em cada três crianças brasileiras apresentava excesso de peso e pode carregar esse ônus para a vida adulta, formando uma geração sedentária e doente.  

O Brasil será o país mais obeso do mundo em 2030, segundo a World Obesity Federation, que reúne profissionais e organizações de mais de 50 países. Está claro que a transformação envolve bem mais do que o controle da ingestão de calorias. E depende de todos nós. 

 

Programação metabólica

 

Desde a vida intrauterina até os 2 anos de idade, a história física e mental da criança é programada. Assim, a alimentação da gestante também é decisiva nessa questão.  E já se sabe que quando se fala nos fatores de risco para obesidade, a programação hoje é mais importante do que os genéticos e os ambientais. 

 

Isso porque o quadro pode se perpetuar pela vida adulta. Hoje, mais da metade dos brasileiros está com excesso de peso e nem 10% disso é causado pela genética. É um cenário que contribuiu para alastrar doenças cardiovasculares e diabetes, além de danos psicológicos que podem evoluir para transtornos alimentares, como compulsão e anorexia. 

 

“O problema cresce na medida em que a população reduz o consumo de alimentos básicos e aumenta o consumo de processados”, diz o nutrólogo Hélio Rocha, consultor do movimento Obesidade Infantil NÃO, criado pela Amil em 2014.

 

De acordo com ele, o excesso de peso que se instala na infância torna-se mais difícil de tratar na idade adulta, daí a importância da prevenção.  “Existe de fato um risco de epidemia de obesidade no Brasil. A questão é grave e requer atenção da sociedade, pois 30% das crianças obesas desenvolvem diabetes e outras 30%, doenças cardiocirculatórias”. 

 

Toda cura para quase todo mal

 

Está na atividade física o caminho para quase todos os males. É o que revela estudo da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins.  

Pulicada pelo periódico científico Health Affairs, a pesquisa revela que um aumento de 32% para 50% no número de crianças do ensino fundamental que fazem 25 minutos de atividade física três vezes por semana evitaria o equivalente a R$ 70 bilhões em custos médicos e salários perdidos ao longo de suas vidas por perda de produtividade. 

 “A atividade física não só faz com que as crianças se sintam melhor e as ajuda a desenvolver hábitos saudáveis, mas também é boa para a economia do país”, escreve o líder do estudo, Bruce Y. Lee, diretor executivo do Centro Global de Prevenção à Obesidade da Escola Bloomberg de Saúde Pública. “Nossas descobertas mostram que investir em atividades físicas e ligas esportivas paga grandes dividendos à medida que esses jovens crescem”.

É claro que se trata de um problema real que vai muito além do descascar mais e embalar menos aqui exposto.  Exige abordagem coletiva e estrutural, como ressignificar as práticas alimentares e a alimentação como um fenômeno social, estimulando que a preparação e o compartilhamento de refeições sejam reincorporados ao cotidiano das pessoas. 

 

Ao se estimular novos hábitos também é preciso fazer entender que é melhor investir um pouco mais nos cuidados consigo – com a alimentação – do que com medicamento e reabilitação mais tarde. São pequenas práticas que podem ser assumidas pelo indivíduo e que podem fazer grandes diferenças. 

 

De outro lado, há processos que cabem fundamentalmente ao governo, que é responsável por implementar ações que fogem ao escopo de atuação da população, especialmente aquelas que visam regular as práticas do setor privado comercial que são contrárias à nossa saúde.

Sociedade se acostumou a condenar quem “larga” seu idoso em um asilo

Mas só quem passa por esta experiência sabe quanto delicada é a situação e difícil este caminho. É o que nos conta Eliane Sobral *, na história a seguir. O relato abre uma série de casos da vida real, que vão ilustrar as dores e as delícias do envelhecer.  Acompanhem!

Hoje ela faz 85 anos. E há 56 anos e nove meses estamos juntas. Do passado distante, lembro das unhas sempre compridas e pintadas de vermelho. Ela sempre adorou vermelho. Lembro do batom – aquele de estojinho verde da Avon e do perfume Toque de Amor (que eu usava escondido para ir para a escola). Lembro que sempre foi uma mulher bonita, vaidosa. E, apesar dos poucos recursos dos quais dispúnhamos, estava sempre muito bem arrumada. 

Veio de Pernambuco com 14 anos. A viagem no pau-de-arara durou três dias e três noites, como ela sempre gosta de contar. Chegou em São Paulo sem eira e nem beira. Foi trabalhar de doméstica, chorou de fome e, quando ascendeu profissionalmente, virou metalúrgica. 

Sempre teve em mente que teria sua própria casa para morar e não mais que dois filhos. Acabou adotando a terceira. Lembro de um conjunto de lã verde musgo. Saia e casaquinho com botões grandes nas costas. Lembro também de um vestido florido, também verde, e de um blazer com grandes flores vermelhas que ganhou do meu pai – não sei se no dia das mães ou em um 14 de setembro. O vestido de noiva – lindíssimo – não sobrou nada. Retalhei para fazer roupinhas para as minhas bonecas… 

Sempre foi uma mulher forte e de opinião. Puxou a peixeira para uma vizinha que insistia em chamar sua mais velha, em tom jocoso, de baianinha. Todos na casa rezavam pela sua cartilha e quem quisesse contrariar ou pedir algo, sempre esperava ela acender o cigarro porque aparentava ficar mais calma. 

Não foi mulher de muitos amantes. Mas os que passaram por sua vida, estavam sempre a seus pés. Por medo, respeito e amor. Aqui também era ela quem dava as cartas. 

Quando perdeu o primeiro marido, acusou o golpe, mas não caiu. Com o segundo foi diferente. Não que gostasse mais deste do que daquele. Com o primeiro viveu mais de 30 anos. Com o segundo, não passou dos sete. O primeiro, porém, foi companheiro de batalha, de vida dura, de educar as filhas, dar conta da casa, de pagar as contas. O segundo veio quando ela achava que já tinha cumprido a missão. Daí, só bailes da terceira idade, escapadas para a praia, pizzas às sextas e até um estoque de filmes pornô. 

Quando o segundo se foi, parece ter levado também essa alegria de viver. Não sei se ela se achou velha para começar de novo, se não teve forças para recomeçar – mais uma vez. Fato é que se deixou cair. E nunca mais se levantou. Como os anos não diminuíram seu ímpeto, nem sua personalidade difícil, logo ela se transformou em uma questão a ser administrada pelas filhas. 

Dizem que quando envelhecemos, voltamos a ser criança. Não creio. Porque criança, normalmente, obedece aos mais velhos. Já os mais velhos… Ah, estes! 

Disposta a fazer nada e passar o dia inteiro diante da televisão, logo ela começou a ter dificuldades de locomoção. Inexplicavelmente começou a cair – mas os tombos só aconteciam quando havia alguém por perto para acudir. 

Foi viver com a filha do meio, pelo tempo necessário para se recuperar e voltar para a própria casa. Ficou duas semanas. Não queria fazer fisioterapia, muito menos seguir as recomendações de uma nutricionista. Não se dava também com a empregada que as filhas contrataram para cuidar dela. Enfim, quanto mais o tempo passava, mais caótica ficava a situação. Até que ela própria pediu que procurassem uma casa de saúde, onde ela pudesse se recuperar. 

Depois de inúmeras tentativas, ela parece estar bem na casa atual. Mas em todas, e é bom que se ressalve, em absolutamente todas, é ela que manda prender e manda soltar. As cuidadoras parecem ter um carinho verdadeiro por ela. E os demais internos, claramente, têm medo. Só ela tem uma poltrona exclusiva na sala de TV. E ninguém, em sã ou insana consciência, se atreve a sentar lá, quando ela dá uma saidinha. Fisioterapia, faz quando tem vontade – e quase nunca tem. 

O combinado era ela se empenhar na fisio, na dieta, ficar bem e voltar para a casa dela. Nunca cumpriu. 

Por muito tempo, muito mesmo, convivi com a culpa de ter colocado minha mãe num asilo. E várias vezes ela própria disse que nunca imaginou que, tendo três filhas mulheres, iria parar num asilo. 

Durante muito tempo a culpa foi minha companheira constante. E eu não conseguia assimilar como uma mulher como ela, a chefe da família, a geniosa, a manda chuva, tinha se deixado levar àquele ponto. Demorou muitos anos para que eu entendesse que ela fez as escolhas erradas e pagou por isso. E que, por mais que eu quisesse e tentasse, não a teria feito enxergar de outra forma.

Hoje, percebo que cada um escolhe seu caminho. Que o outro pode alertar, ajudar, indicar atalhos, mas escolha é e será sempre de cada um. Nestes dez anos que ela está num asilo, ou numa casa de repouso, ou numa clínica, como eu e minhas irmãs preferimos chamar, ela nunca ficou sem receber nossa visita.

Minha irmã mais velha vai aos sábados, eu aos domingos. A mais nova vai quando dá. Antes da pandemia, ela vinha sempre passar uns dias na minha casa, especialmente em feriados prolongados. Os passeios também sempre foram constantes. Praia, feijoada na quadra da escola de samba, que ela adora. Enfim, o que está ao nosso alcance e sempre um pouco mais. 

Nos últimos tempos, tenho dito e repetido que se cheguei aonde cheguei, se sou quem eu sou, devo a ela. E agradeço. Percebo que ela fica orgulhosa e com aquele olhar de “missão cumprida”. 

Hoje ela faz 85 anos. Está bem cuidada, saudável, tocando o terror no asilo e sendo paparicada pelas cuidadoras. Custou-me muito ficar com o coração em paz – embora eu ainda me pergunte se fizemos o certo ou não. 

Minha irmã mais velha se incomodava um pouco com o que os outros iam pensar sobre a decisão de colocar nossa mãe num asilo. Não sei se ainda se incomoda. A mim, nunca incomodou. E não incomodará. Porque só ela, eu e as minhas irmãs sabemos da nossa história. 

A mim o que importa é que ela esteja bem. Que tenha sempre a certeza de que ela é o grande amor da minha vida. E que, quando a pandemia passar, eu vou tocar Spyrogiro do Jorge Benjor, que ela ama, sempre que ela entrar no meu carro para gente ir passear.  

*Eliane Sobral, filha do meio da dona Maria do Carmo Barbosa Sobral, que em 14 de setembro de 2020 faz 85 anos, é jornalista e colaboradora do Casa de Mãe.  

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