A força do eleitorado idoso

Ao pesquisar a representatividade do idoso nas urnas, encontrei excelente artigo do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves*, doutor e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. No texto, ele aborda o poder dessa faixa etária nas eleições de 2018. Falei com ele não só para pedir autorização de uso dos dados, mas para entender um pouco melhor esse cenário. Ouvi ainda o consultor político Eduardo Negrão **, que corrobora a tendência do poder prateado, e fala do posicionamento dos candidatos  diante desse Brasil Sênior.

Diálogos produtivos provocam reflexões necessárias. E a conversa com José Alves abriu minha mente para uma situação ainda pouco discutida por aqueles que, como eu, atuam em prol da Economia Prateada.  “Não é somente as pessoas que envelhecem, a estrutura etária da população no mundo também fica envelhecida. A diferença é que, enquanto as pessoas morrem, a população continua viva e com uma estrutura permanentemente envelhecida”, esclarece o pesquisador.

Os desafios são imensos quando se percebe a velocidade desse processo num Brasil que sequer tem projeto para garantir emprego aos jovens em idade economicamente ativa.  “Na França, o envelhecimento foi gradativo e levou ao menos 200 anos para mudar a estrutura etária. Aqui isso não levará 50 anos”, explica Alves.

Para ele, antes de mais nada, é preciso a inclusão de mais de 27 milhões de pessoas desempregadas  – e em idade de trabalhar – no mercado, quando se pensa em políticas públicas focadas em qualidade de vida para a longevidade. “Embora a proporção de idosos no Congresso seja representativa, o cobertor é curto e requer um grande ajuste fiscal, o que não se vê em nenhum programa de governo.”

Liderança grisalha

A mudança em curso no Brasil é tão rápida que pela primeira vez na história, o montante de idosos de 60 anos e mais de idade, aptos a votar, será, significativamente, maior do que o de jovens de 16 a 24 anos e pode ser o fiel da balança nas eleições presidenciais, assim como nas eleições para governadores, senadores e deputados federais e estaduais.

Alves destaca ainda que nas primeiras eleições presidenciais do século XXI, em 2002, havia 24,5 milhões de jovens (16-24 anos) aptos a votar, o que representava 21,2% do eleitorado, contra 15,2 milhões de idosos (60 anos e mais), o que representava 13,2% do eleitorado. Portanto, os eleitores jovens superavam os idosos em quase 10 milhões de indivíduos.

Nas eleições seguintes, o número de jovens foi caindo e o de idosos foi aumentando gradualmente. Nas últimas eleições presidenciais, em 2014, houve um empate técnico (com uma ligeira vantagem dos idosos). O número de jovens caiu para 23 milhões, o que representava 16,1% do eleitorado, enquanto o número dos idosos subiu para 24,3 milhões, representando 17% do eleitorado. Os números são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

A liderança grisalha fica cada vez mais evidente. Os dados do TSE, de março deste ano, indicam 22,3 milhões de jovens aptos a votar (representando 15,3% do eleitorado) e 27,3 milhões de idosos (representando 18,6% do eleitorado).

O número de idosos aptos a votar superará em 5 milhões o número de jovens, em outubro de 2018. Mas isto é só o começo, pois a força eleitoral dos idosos vai crescer muito ao longo do século XXI.

Poder prateado

O eleitorado idoso (60 anos e mais) se igualou com o eleitorado jovem (16 a 24 anos) em 2013. Fazendo uma projeção para as próximas décadas, estima-se que os idosos com 42 milhões de eleitores serão o dobro dos jovens com 21 milhões de eleitores em 2030. Os idosos, com 60 milhões de eleitores serão o triplo dos 20 milhões de jovens em 2043.

A vantagem da população grisalha continuará se ampliando ao longo do século e os idosos com 72 milhões de pessoas, em 2058, devem ter um montante 4 vezes maior do que os 18 milhões de jovens aptos a votar.

O poderio eleitoral do total de idosos vai ser acompanhado pelo poderio das mulheres idosas, pois estas serão entre 55% e 56% do eleitorado em meados do atual século. Portanto, só as mulheres idosas da década de 2050 serão duas vezes maior do que todo o eleitorado jovem de 16 a 24 anos. Assim, as mulheres com mais de 60 anos terão uma força extraordinária na medida em que o processo de envelhecimento populacional se aprofundar.

Na população brasileira, em 2018, os idosos (com 60 anos e mais de idade) representam 13% do total. Porém, entre o eleitorado, o percentual de idosos é de 18,6% do total de eleitores. Os jovens de 16 a 24 anos são 14,7% da população total do Brasil, em 2018, e são 15,3% do total de eleitores. Portanto, proporcionalmente, os idosos estão mais sobre-representados no eleitorado.

Isto configura um poder político significativo no presente. “Caberá aos candidatos apresentar propostas para colocar o país no eixo e para revelar soluções criativas que garantam o bem-estar geral do povo brasileiro, levando em conta as necessidades de todas as gerações”, diz Alves.

Na disputa, porém, os candidatos não parecem dispostos a debater a longevidade de forma mais ampla, por simples questão cultural. “Embora a maioria seja 60+ nenhum assume a idade e faz questão de sempre se mostrar jovem”, diz o jornalista Eduardo Negrão, consultor político. “Ainda existe uma ojeriza de ser identificado como velho.”

Mas numa eleição acirrada como essa, o voto do idoso pode ser decisivo e o debate precisa ir além da reforma da Previdência. “Evidentemente, a população idosa precisa se organizar para participar do processo e fazer valer sua força numérica, apresentando suas demandas na área de saúde, trabalho, moradia e lazer”, completa Alves.

Algo que ainda não ocorre. “Não existe uma bancada organizada da terceira idade. Os representantes dessa parcela não atuam como grupo e não sabem a força que tem”, avalia Negrão. Essa união, ele acredita, poderia significar um poder espetacular de representatividade. Inclusive se houvesse participação dos 70+,  para quem o voto não é obrigatório.

*José Eustáoqui Diniz Alves* escreve para o Portal do Envelhecimento

**Eduardo Negrão é autor do livro México, pecado ao Sul do Rio Grande

Um senhor mercado

O déficit da Previdência Social despertou no Brasil o debate sobre questões relacionadas ao envelhecimento. Mas essa é só a ponta do iceberg de uma parcela da população tida, muitas vezes, como fardo para a economia. “É preciso não só entender, mas viver o envelhecimento com naturalidade em toda sua diversidade”, diz Simone Jardim, embaixadora da Aging 2.0, organização global com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que promove o fortalecimento de startups focado em produtos e serviços inovadores para o público 50+, ao comentar que encarar a idade avançada demanda uma mudança cultural do próprio idoso.

Isso porque, amparado pela maior expectativa de vida, o número de brasileiros acima de 65 anos deve praticamente quadruplicar até 2060, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Assim, a população com essa faixa etária chegará a mais de 58 milhões ou quase 27% do total no período.

Um público que, segundo pesquisa do Data Popular, tem renda média até 40% maior sobre a renda média nacional. E que movimenta em torno de  R$ 1,58 trilhão, equivalente ao consumo de duas Holandas. “Mesmo assim, além da indústria da doença, não se vê praticamente nenhuma outra investindo em produtos específicos”, diz o empresário Nilton Molina, presidente do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon.

Trata-se de uma entidade criada com objetivo de contribuir com ações na área do trabalho, de cidades e mobilização social para propor soluções em torno da questão da longevidade.  A partir do instituto surgiu o Movimento Real Idade, que reúne apoiadores de todos os segmentos da sociedade e do governo, em torno do tema, a fim de discutir a rápida mudança demográfica no Brasil e aprofundar a percepção das oportunidades e desafios provocados por esse processo.

Na avaliação de Molina, embora a indústria absorva o potencial econômico das pessoas idosas, é importante notar que o padrão de consumo é alterado à medida que se envelhece.  Em famílias onde há pelo menos 50% de idosos, despesas com saúde e cuidados pessoais e alimentação são maiores comparativamente com outras famílias. “Não creio que isso seja ignorado pelas empresas, mas o ponto é: elas buscam conhecer melhor o consumidor idoso e desenvolver produtos que atendam seus interesses e necessidades?”

O fato de 45% dos entrevistados ter indicado dificuldades para encontrar produtos adequados, segundo uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), mostra que essa movimentação ainda é tímida.

Velho conhecido

O processo de envelhecimento da população é algo de conhecimento público, o que falta é passar à ação. “Quando empresas adotam posições que evidenciam sua preocupação e interesse na temática, como no caso do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, isso chama a atenção.”

E os desafios não são poucos. Passam pelo investimento necessário em entender as reais necessidades e desejos desse público até à forma de conceber e desenvolver produtos específicos, coisa que já acontece em países desenvolvidos. A França e a Alemanha têm políticas industriais específicas para estimular a chamada economia da longevidade.

A soma das atividades econômicas geradas pela compra de produtos e serviços pelos americanos acima de 50 anos e a movimentação subsequente motivada por esses gastos representava 46% do PIB dos Estados Unidos em 2012, e espera-se que esse número chegue a 52% em 2032. “Essa força não ocorreria sem a existência de um conhecimento maior sobre o segmento 50+, nem sem investimento em desenvolvimento de produtos especializados”, diz Molina.

Mudança cultural

Mesmo lentamente, uma rede de negócios inovadores com foco em produtos e serviços pensados para atender consumidores de idade mais avançada começa a evoluir no Brasil. A proposta é transformar as visões estereotipadas que a sociedade brasileira ainda tem sobre as pessoas mais maduras, como considerá-las “velhas” demais para trabalhar ou iniciar um negócio próprio, praticar esportes radicais ou voltar à sala de aula. É que pensa e pratica o empresário Thomas Case (na foto de divulgação que abre o texto), de pouco mais de 80 anos.

Após a venda da Catho, plataforma de vagas de empregos na internet, Case fundou em São Paulo, em 2009, a Pés Sem Dor. A empresa que produz palmilhas ortopédicas sob medida nasceu em consequência de um problema próprio. Praticante de atividade física sete dias por semana, as dores nos pés e nos joelhos o fizeram buscar soluções para manter a rotina esportiva e deram o pontapé inicial para uma empreitada hoje em franca expansão, com 15 pontos de vendas. “Eu poderia parar, mas minha missão na vida é trabalhar”, diz sorrindo.

Segundo Case, o sucesso se deve a dois fatores: investimentos na educação dos funcionários e em tecnologia. Todos os 50 colaboradores da Pés Sem Dor recebem bolsas para suas graduações, MBAs, cursos técnicos ou línguas estrangeiras. Com parceiros na Inglaterra, Alemanha e China, o empresário viaja com frequência à procura de novas tecnologias.

“O doutorado na Universidade de Michigan, nos EUA, me ajudou na recente parceria com a Vibmed, que desenvolve scanners 3D”,conta. Sediada na China, a Vibmed foi fundada por Wei Shi, que estudou na mesma universidade. Por meio da precisão de scanners impressoras 3D, o empreendedor que trabalha 12 horas diárias promete devolver o dinheiro aos clientes, caso as dores nos pés e nas pernas não sejam eliminadas.

Outro que propõe respostas positivas e inovadoras para a longevidade é o engenheiro Mario Solari, de 62 anos. Ele vem se dedicando ao projeto Idade Livre, uma startup voltada para o turismo na maturidade.  “O turismo é uma consequência da busca pelo bem estar”, afirma.

Empreendedor aguçado, ele cursou pós-graduação em Marketing Digital e Comércio Eletrônico, mantém os negócios em engenharia e ainda encontra tempo para praticar atividade física e se aventurar na venda direta de uma nova marca de nutracêuticos no Brasil, a Jeunesse. “Quem se considera idoso aos 60 vive em outra época”, diz empolgado com o primeiro roteiro de turismo de experiência que acaba de sair do forno. Um tour para degustação de puro malte escocês.

Texto originalmente publicado na Revista Gestão Empresarial.

Um jovem país de cabelos grisalhos

O rótulo de país de jovens não cabe mais ao Brasil, que vem se transformando num jovem país de cabelos grisalhos. Segundo as estatísticas, caminhamos rapidamente rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido.  A mudança se dá em razão da queda da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e uma redução da taxa de fecundidade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta que em 2025 o Brasil será o sexto do mundo com o maior número de pessoas mais velhas. E falta menos de uma década para 2025. Diante dessa realidade, será que estamos preparados para lidar com as questões da longevidade?

Reeducação

Quando os problemas ambientais vieram à tona, toda a sociedade teve de passar por uma reeducação que a levou a rever seu comportamento. De lá para cá, o entendimento do ciclo de vida de um produto faz parte do cotidiano das mais diversas gerações, que entenderam a preservação do meio ambiente como algo essencial para o futuro do planeta. O desafio agora é modificar a compreensão sobre o ciclo da vida humana para ressignificar a longevidade, um fenômeno inédito para os brasileiros.

“Tudo é muito novo e demanda uma mudança cultural até do próprio idoso. É preciso não só entender, mas viver o envelhecimento com naturalidade”, diz Simone Jardim, embaixadora da Aging 2.0.

A Aging 2.0 é uma organização global, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que promove o fortalecimento de startups focadas em produtos e serviços inovadores para o público 50+. No Brasil, há duas representações desse ecossistema de negócios, chamados capítulos: o de São Paulo e o do Rio de Janeiro.

Aceitação

Simone destaca que o Brasil é um país que ainda não aceita rugas e segue um padrão de beleza juvenil. Não à toa, chegou a liderar o ranking de cirurgias plásticas, à frente dos Estados Unidos, puxado pelas intervenções estéticas.  “O preconceito tem de acabar e a sociedade precisa entender quais questionamentos devem ser feitos diante da diversidade cultural da população para desenvolver políticas públicas eficientes”, avalia. “A velhice não é homogênea”.

Sinal disso vem do empreendedor Antônio Vilmar Stachuk. Dono de um café numa badalada academia de São Paulo, Tony, como é conhecido, tem 56 anos, é homossexual e mora sozinho. Gosta de ir ao teatro, de beber cerveja e tem muitos sonhos, entre os quais viajar pelo mundo.  Os planos, porém, são sempre adiados, pois o trabalho consome tempo integral, das 6h às 22h, inclusive aos sábados. Nem por isso pensa em se aposentar. “É graças a esse corre-corre que mantenho a alegria de viver”, conta.

Pensamento semelhante tem o engenheiro Mário Solari. Aos 60 anos e recém-aposentado, nem sonha em parar. E é justamente para atender pessoas como Tony que vem se dedicando ao projeto Idade Livre, uma startup voltada para o turismo na maturidade. A decisão conta com apoio de toda a família e a animação não passa despercebida quando ele conta os planos para os próximos 30 anos.

“O turismo é uma consequência da busca pelo bem estar”, explica o novo empreendedor, que cursa pós-graduação em Marketing Digital. “Quem se considera idoso aos 60 vive em outra época”.

Não é o que sentiu na pele a jornalista Denise Ribeiro. Embora não revele a idade, ela experimentou o preconceito no mercado de trabalho ao passar dos 50 e se ver descartada pelas empresas de comunicação, que costumam priorizar os jovens. “Eu tenho um excelente histórico profissional, mas ele não é levado em conta”, avalia. “Tenho a sensação de estar numa arca de Noé de humanos, cercada de clichês por todos os lados”, reclama.

Individualidade

Essas histórias de vida indicam que é preciso levar em conta que nem todos os idosos querem pular de paraquedas. E nem todos os idosos desejam se aposentar ou passar o restante de suas vidas tricotando ou jogando dominó numa praça. “Há de se chegar a alternativas para todos os anseios”, diz a gerontóloga Marília Berzins, doutora em Saúde Pública e presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE).

Para ela, o Brasil ainda não dá a devida atenção à questão do envelhecimento. “Não há políticas públicas estabelecidas, o mercado não leva em conta as reais necessidades da maturidade e os idosos não protagonizam a própria causa, que é o envelhecimento, uma das maiores conquistas da história recente da humanidade”.

Mercado em expansão

Trata-se, destaca Marília, de um segmento expressivo, representando hoje  algo em torno de 13% do total da população brasileira e 17,9% do eleitorado. Entretanto, as questões que envolvem o envelhecimento e suas implicações não estão pautadas nas agendais eleitorais de nenhuma esfera.  “Temos um marco legal bastante avançado, mas na prática temos a escassez e ausência dos serviços garantidos por esses instrumentos. É um Brasil legal distante do Brasil real”.

Essa ausência do compromisso político com as questões da maturidade reflete o pensamento social em relação ao envelhecimento, ainda fundamentado em mitos e preconceitos.  “O jovem sempre é prioridade e enquanto não se romper esses padrões dominantes não haverá avanços na construção de uma sociedade para todas as idades”.

Apesar de algumas conquistas como o Estatuto do Idoso, a complexidade de lidar com a maturidade ainda padece de males crônicos como abandono, violência e preconceito. Não é preciso procurar muito para encontrar idosos em situação vulnerável, como seu Aurélio Mei, de 81 anos, hoje morador do Lar dos Velhinhos de Campinas (SP).

Ele morou com a irmã até sua morte, quando a sobrinha o convidou para continuar com a família. Ao completar 80 anos, sendo 60 deles trabalhando, decidiu vender sua banca de frutas no centro da cidade e buscar outra ocupação. Foi quando teve todo seu dinheiro roubado pela sobrinha, com quem mantinha uma conta conjunta. “Estou há um ano aqui no Lar, cuido da horta e estou muito feliz”, conta. “O importante é ocupar a cabeça com algum tipo de atividade”.

Etarismo

Algo nem sempre permitido por pura discriminação. E discriminar pessoas como seu Aurélio ou qualquer grupo etário tem um nome: etarismo. Um problema muito frequente no mercado de trabalho.

Experiência da seguradora Mondial Assistance mostra que há preconceito evidente até mesmo entre os idosos.  A empresa contratou 40 pessoas mais velhas e passou por uma saia justa para resolver conflitos entre mulheres que nunca tinham trabalhado dentro do próprio grupo.

Para amenizar questões desse naipe o empresário Nilton Molina idealizou o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. O objetivo é contribuir com ações concretas, especialmente na área do trabalho, de cidades e mobilização social, para colocar a questão da longevidade na agenda de desenvolvimento da sociedade brasileira e propor soluções em torno dos seus impactos sociais e econômicos.

Muito além da Previdência

“Trata-se de uma parcela da população vista ainda como um fardo para a economia. Foi o déficit na Previdência Social que despertou o Brasil para questões relacionadas ao envelhecimento”, diz Molina.

Foi a partir do instituto que surgiu o Movimento Real Idade, que reúne apoiadores de todos os segmentos da sociedade e do governo, em torno do tema, a fim de discutir a rápida mudança demográfica no Brasil e aprofundar a percepção das oportunidades e desafios provocados por esse processo.

São duas as propostas encabeçadas pelo movimento. A primeira é a requalificação e reinserção dos profissionais com mais de 50 anos no mercado de trabalho, por meio da implantação do Regime Especial de Trabalho do Aposentado (RETA), que prevê incentivos fiscais e tributários a empresas que contratarem pessoas nessa faixa etária.

O RETA é comparado à Lei de Estágio, prevendo relações trabalhistas mais flexíveis e incentivos para empresas que contratarem profissionais aposentados e com mais de 60 anos, projeto que está em linha com o Estatuto do Idoso. A redação do projeto de lei é dos professores Hélio Zylberstajn, da FEA, e Nelson Mannrich, da Faculdade de Direito da USP.

Outra medida é a criação do Índice Real Idade de Longevidade, projeto que destacará anualmente as cidades brasileiras mais bem preparadas para atender as necessidades de suas comunidades, cada vez mais longevas. A iniciativa tem assinatura do pesquisador Wesley Mendes da Silva, do Instituto de Finanças da FGV/SP.  “Reunimos mais de 80 indicadores de 500 cidades brasileiras”, conta Molina.

Ele destaca que o grande vetor para a largada do instituto foi uma pesquisa do Data Popular sobre a renda média dos brasileiros com 50 anos ou mais, que está 40% acima da renda média nacional. É um público que movimenta em torno de R$ 1,58 trilhão, equivalente ao consumo de duas Holandas.  “Mesmo assim, além da indústria da doença, não se vê nenhuma outra investindo em produtos específicos”, diz.

O Movimento Real Idade se assemelha à plataforma da Associação Americana dos Aposentados (AARP), uma organização sem fins lucrativos, apartidária, composta por sócios, que ajuda pessoas acima de 50 anos ou mais a melhorar sua qualidade de vida.

A AARP atua com serviços comunitários via Fundação e por meio de doações. Atua ainda em publicações, pesquisas, eventos, produtos e serviços, em que se arrecadam os recursos para sua sustentabilidade, além de anúncios em seu portal. Cada sócio paga cerca de US$ 20 ao ano e tem direito aos benefícios que a associação oferece, como cartões de crédito.

Empreendedor na maturidade

Mas o Movimento Real Idade não é o único que surge nesse caminho. A Rede Lab 60+ é outra que propõe respostas positivas e inovadoras para a longevidade.

Trata-se de um ecossistema de negócios inovadores com foco em produtos e serviços pensados especialmente para atender às expectativas dos consumidores de idade mais avançada. A proposta é transformar as visões estereotipadas que a sociedade brasileira ainda tem sobre as pessoas mais maduras, como considerá-las “velhas” demais para atuar no mercado de trabalho ou iniciar um negócio próprio, praticar esportes radicais ou voltar á sala de aula.

“É um espaço que fomenta a conexão da diversidade, seja intergeracional ou setorial, na busca de soluções coletivas para as questões trazidas pelo envelhecimento”, define o empreendedor Sérgio Serapião, idealizador do coletivo. “Dessa forma também cidadãos vivenciam e ressignificam essa etapa da vida”.

Pensamento disruptivo

Com a mesma pegada nasceu o Maturity Now. Um movimento em rede aberta para conectar agentes transformadores da maturidade, empoderada, empreendedora e com propósito de gerar mudanças na sociedade, conforme descreve Max Nolan Shen, idealizador do Maturity Now. “A ideia é criar novas soluções de produtos e serviços por meio do empreendedorismo na maturidade”.

Além do foco na maturidade, iniciativas como o Maturity Now, o Lab 60+ e o Aging 2.0 têm em comum a aposta no pensamento disruptivo e na atuação por meio de parcerias estratégicas. Seus protagonistas perceberam que fazer mais com mais idade, permite não só rever conceitos, mas colocar em prática alternativas mais eficazes para lidar com o crescimento exponencial e as necessidades complexas da população idosa que hoje alcança países ricos e emergentes.

Sinal de que iniciativas como essas são bem vindas, bem vistas e têm contribuído para a sociedade vêm da Virada da Maturidade, que chega a sua quarta edição depois de público 10 mil pessoas em 2015.  O evento contará com uma agenda de atividades que acontecem simultaneamente em vários pontos de São Paulo, e que trazem discussões especialmente planejadas para destacar os desafios e as oportunidades da longevidade.

Idealizada pelos psicólogos Fernanda Gouveia e Fernando Seacero, a expectativa agora é dobrar o número de participantes para 20 mil pessoas. “O objetivo é que a Virada se torne um movimento de valorização da pessoa idosa e que mobilize, a cada ano, mais pessoas e instituições para refletirem sobre a preparação da nossa sociedade para o envelhecimento”, diz Fernanda, que busca parceiros que compartilhem dos mesmos pressupostos e que queiram integrar o movimento.

Segundo Fernanda, em 2015, inicialmente, foi um desafio promover ações em que as pessoas ‘50+’ aparecessem de forma ativa, porém, em seguida, o  desenvolvimento do projeto foi inspirador. “Mostramos que o idoso pode ser protagonista de sua vida e divulgamos alternativas que oferecem oportunidades variadas”.

Ao ouvir um depoimento de um idoso ou uma história de vida, por exemplo, o público – seja lá de qual geração for – é tocado de maneira direta.  Apresentar as atividades nesse modelo traz um efeito muito mais significativo do que apenas falar sobre o potencial e a sabedoria dos idosos. A Virada da Maturidade quer mobilizar e gerar reflexão, causar impacto e surpreender. “Está funcionando”, afirma Fernanda.

Texto originalmente publicado na Revista Problemas Brasileiros.