O mundo envelhece. Precisamos rejuvenescer conceitos.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural

Mara Lúcia Madureira*

A humanidade está envelhecendo. O número de pessoas com 60 anos, ou mais, é crescente no mundo todo. No Brasil, o estigma sobre o envelhecimento, ainda, existe e reflete uma noção equivocada, associada a incapacidades física e cognitiva, improdutividade, doenças, ausência de papéis sociais e interesse sexual, solidão e dependência.

O conceito de velhice é um constructo social, temporal e contraditório. Nas sociedades ocidentais, a supervalorização do novo, produtivo e independente, em detrimento do velho, ultrapassado e fora de moda, é parte das estratégias de consumo. A mesma cultura que preconiza a longevidade e tecnologias para prevenir doenças, nega, ao idoso, seu real valor. O paradoxo é viver mais, sem envelhecer ou parecer velho.

Os estereótipos da velhice são piores do que a realidade. O preconceito é reforçado pelos próprios idosos que não se reconhecem ou se admitem velhos. Envelhecer é uma experiência exclusiva. O modo de vida implica, positiva ou negativamente, na velhice.

O uso de expressões como “melhor idade” e “terceira idade”, mascara o preconceito e nega a realidade. Envelhecer é aceitar-se e orgulhar-se dos muitos anos vividos, das conquistas e realizações.

A velhice pode e deve ser agradável e desejável.

A maioria dos idosos é saudável e independente. Doenças crônicas, na velhice, iniciam e se desenvolvem bem antes dessa fase. Alterações hormonais e mudanças no organismo são comuns, mas não significam perda do interesse ou impossibilidade de uma vida sexual ativa e gratificante.

Problemas de memória podem ser evitados com práticas contínuas de leitura, atividades intelectuais e novos aprendizados. Os vínculos de amizade são fundamentais na velhice. Um bom planejamento financeiro, na juventude, representa uma aposentadoria confortável. A saúde e o bem-estar, na velhice, dependem do modo como se vive e se administra as fases anteriores.

Envelhecer é um processo complexo de realidades próprias, não generalizáveis. Envolve aspectos biológicos, cronológicos, psicológicos, sociais e culturais. Não significa limitação ou incapacidade. Doença não é normal. Pessoas idosas saudáveis são funcionais e produtivas. O declínio cognitivo não se deve à velhice, mas, ao desuso, a doenças como depressão, abuso de álcool, medicamentos e outras drogas, à solidão e ao isolamento. Envelhecer contempla os anos vividos, a história pessoal, as condições físicas e psicossociais. Marcadores cronológicos e biológicos são relativos e subjetivos. Não há perdas na velhice, mas transformações, aquisição de saberes, evolução.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural. A sociedade deve respeito e valorização ao idoso. Experiências e conhecimentos acumulados podem beneficiar aos próprios indivíduos e à sociedade. Não importa a idade, mas o que o indivíduo faz com sua existência e o como a sociedade o trata. A velhice deve ser reconhecida pelos ganhos e transformações.

*Mara Lúcia Madureira é psicóloga cognitivo-comportamental e colabora com o Casa de Mãe.

Crônica de uma resiliência anunciada

Por Adi Leite *

Estou me sentindo pressionada, me disse uma amiga.

Você não se sente?

Estamos envelhecendo.

Ninguém me trata mais de “você”.

É sempre “senhora”. 

Com licença senhora? 

Senhora, posso ajudar? 

Sem contar quando algum engraçadinho com aquela cara de, porra vou ter que dar o lugar prá essa velha, não ousa oferecer o lugar no metrô.

Hahahahahahaha.

Não é prá rir não. É triste.

O que mais me incomoda?

Hum, estar  envelhecendo incomoda mais.

Você já percebeu que até as palavras usadas estão mudando?

Inovação, disrupção, impacto e infinitas outras, parecem ter saído de uma caixa escondida embaixo da cama de um escritor de dicionários frustrado. De repente alguém descobriu e resolveu libertá-las e aí virou essa loucura, todo mundo fica repetindo. Parece coisa de criança, sabe?

Não.

Não? Sabe quando criança aprende uma palavra e fica repetindo o dia inteiro?

Meu filho ficava repentindo ombedi, ombedi, ombedi, ombedi, e ninguém sabia o que era, um dia andando na rua ele aponta para um ônibus e fala ombedi.

Agora parece a mesma coisa. Disrupção prá lá, impactar prá cá. 

E o saco é que temos que aprender isso para não parecermos ignorantes.

Aprendendo coisas novas?

Humpf! Prá que eu preciso aprender coisas novas se eu estou ficando velha?

Meu corpo mudou. Meu cabelo mudou. 

A maneira como meu corpo se relaciona com o mundo mudou. A maneira como o mundo se relaciona com o meu corpo também mudou.

Não, não estou triste com isso.

Estou com medo.

Vira e mexe algum amigo me diz que eu preciso me reinventar. 

Já fiz isso algumas vezes nos últimos cinco anos. 

Desisti da última reinvenção no meio do caminho.

Me disseram que eu tinha que ser mais resiliente.

RESILIENTE?

WHATAHELL????

O que eu ia fazer que desisti no meio?

Me disseram que eu deveria ser influencer digital.

E fazer um esforço desumano para ter um milhão de pessoas me seguindo.

Surtei. Prá que ter um milhão de pessoas me seguindo? 

Nunca gostei disso. Nunca gostei de dar satisfação da minha vida para ninguém. Já pensou que horror. Um milhão de pessoas te seguindo, sabendo tudo que você come, com quem você se encontra e além de tudo podendo opinar a respeito?

Credo, que horror!

Não quero ser influencer digital.

Será que não dá pra ser apenas eu?

Só quero escrever sobre o que penso e gosto, afinal, escrever foi a maneira com que eu construí a minha vida pessoal, financeira e profissional, pelo menos até agora.

Essa coisa de influencer me faz pensar que nunca mais poderei ser livre.

Não quero contar para meus seguidores o que eu estou comendo. Acho no mínimo deselegante.

Se eu estou em crise? 

Na verdade estou pensando sobre a passagem de tempo, só isso.

Quer dizer, não é só isso.

Esses dias em uma rede social vi um texto que oferecia uma forma de lidar com o envelhecimento em dez lições.

Desconfiei. Mesmo assim fui conferir. 

Minha desconfiança subiu cerca de mil por cento.

Como pode haver uma fórmula pré-determinada para lidar com a passagem do tempo?

Uma fórmula em dez lições?

Vivi até agora  cinquenta e cinco anos e não sei se dez lições fariam alguma diferença nesse momento da minha vida.

Não, não estou desacreditando o autor do texto. Sorry.

É que na verdade, o mundo e a vida ficaram tão complexos, mas tão complexos que não consigo acreditar que seguindo uma cartilha eu consiga lidar com essa pressão.

Que pressão? Você não percebe? 

Envelhecer sendo seguido por um milhão de influencers oferecendo  fórmulas mágicas de sucesso. 

Hummm, não dá.

Não, não sou contra. Mas, prá mim não dá.

O que você vai fazer então?

Prá ser sincera, comecei uma pesquisa sobre o significado da palavra RESILIÊNCIA.

O que eu achei?

Faz sentido.

Fiquei viajando que esta palavra poderia ter um formato.

Formato?

Sim, eu poderia ficar repentindo como meu filho fazia: Ombedi, ombedi, ombedi.

No meu caso, resiliência, resiliência, resiliência e que poderia fazer isso imaginando uma porta aberta para apontar meu dedo.

*ADI LEITE é um amigo querido, jornalista, repórter fotográfico, autor da foto que ilustra essa crônica, e diretor da Reativação Insights e Desenvolvimento Humano.