Sem remédio

Aqui em Casa enfrentamos um sério problema do descontrole no uso de fármacos. Embora eu tente alertar e manter tudo em ordem não há muito remédio para conscientizá-los de que é preciso uma mudança de comportamento.  Não raro, meu pai deixa de tomar o que devia. Ou toma duas vezes a mesma medicação. Falta de memória, ele alega… Também já usou colírio para desentupir o nariz. Esses são só alguns exemplos da batalha que é organizar a rotina dos idosos.

Minha mãe, por sua vez, toma em média 10 comprimidos ao dia. E junta tudo numa caixinha de sorvetes. Não há controle, inclusive, sobre a data de validade. E aí enfrentamos outro perigo que coloca em risco a vida de terceiros.

Por desconhecimento, o descarte de medicamentos vencidos ou sobras é feito por grande parte das pessoas no lixo comum ou na rede pública de esgotos, o que pode causar a contaminação da água e do solo, provocando sérios danos ao meio ambiente. Além disso, atinge públicos vulneráveis, como aqueles que manejam resíduos nos lixões.

Agente de intoxicação

Números do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) indicam que os remédios ocupam no Brasil – sétimo país do mundo em venda de medicamentos – desde 1996, o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicações.

Embora os efeitos sobre o meio ambiente ainda sejam pouco conhecidos, há preocupação especial em relação aos antibióticos, aos estrogênios e a algumas substâncias da quimioterapia, como os imunossupressores.  Para o ser humano, um dos principais problemas está no desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos, devido à exposição a eles no ambiente.

Quanto aos estrogênios, hormônios ligados ao desenvolvimento de características femininas, o temor tem a ver com o potencial das substâncias para afetar o sistema reprodutivo de organismos aquáticos, como os peixes. Já os quimioterápicos requerem atenção diferenciada pela possibilidade de produzir mutações genéticas.

Descarte correto

Assim, o ideal é que o descarte seja feito em pontos de coleta específicos, conforme obrigatoriedade da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), para serem posteriormente encaminhados à destinação final ambientalmente correta, prevista pela norma ABNT NBR 16457:2016, complemento a um acordo setorial que a indústria costura e que deve regulamentar todo o processo de logística reversa.

Dessa iniciativa do setor, nasceu o Programa Descarte Consciente administrado pela Brasil Health Service (BHS), especializada na gestão de logística reversa para descarte ambientalmente correto de medicamento.   “Existem hoje 750 pontos instalados por todo o país”, diz Antonio Carlos da Silva Pedro, diretor da BHS.

No portal do programa é possível encontrar de forma didática informações como o tipo de produto que pode ser depositado nas estações e, inclusive, localizar o endereço do posto de coleta mais próximo de casa.  “Já incineramos perto de 200 toneladas de fármacos desde o início do programa em 2010, mas cerca de 20% do que se consome ainda é descartado incorretamente”, avalia Pedro.

Na dúvida, o ideal é procurar o posto de saúde da cidade, que serve como escape.

FONTES: eCycle, Fiocruz, FecomercioSP, BHS

Aluga-se filhos! E netos.

Quem é que nunca viu em apuros por falta de agenda para levar os pais ou o avós para os médicos ou para a formação social?

Com mais de 14% das pessoas vivendo sozinhas, das quais 44,3% com mais de 60 anos de idade – segundo dados  do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, e a taxa de desemprego nas alturas, cria-se a equação perfeita para impulsionar uma nova atividade: filhos ou netos de aluguel.

Foi diante desse cenário e em busca de renda extra que engenheiro civil Aloísio Melo, 46 anos, virou neto de aluguel. Não foi diferente com o segurança Everaldo Silva, 48 anos, que criou um blog para vender o serviço de filho de aluguel.

Um na Grande Vitória (ES) e outro na Grande São Paulo (SP), respectivamente, usaram a criatividade para se recolocar no mercado e driblar a crise. E, na essência, oferecem o mesmo serviço: acompanhar o contratante em compromissos e atividades. Para ambos, a ideia surgiu a partir do trabalho como motorista do aplicativo Uber. Nas corridas, perceberam a carência de companhia e de auxílio de parte do público com mais de 60 anos de idade.

Paciência como aliada

Aloísio foi além do acompanhamento. Ao ensinar uma senhora a baixar o app de transporte, percebeu que tinha jeito para ensinar esse público a “decifrar” as novas tecnologias. Passou, assim, a oferecer aulas. É preciso, diz ele, trabalhar no “tempo da pessoa”. “A paciência é minha grande aliada”, garante.

Já a proposta de Everaldo é oferecer transporte diferenciado. “A ideia é acompanhar ao médico, ao supermercado, ao banco ou ao shopping para um momento de lazer, tudo dentro de uma relação de amizade e confiança”, conta.

Não é, dizem eles, que a família não tem interesse em estar no dia a dia. Mas a rotina corrida dos filhos e dos netos nem sempre permite uma brecha na agenda. E filhos e netos de aluguel podem acompanhar nas consultas médicas e até ser parceria em viagem.

Custos e referências

E quanto custa o serviço de netos de aluguel? Nenhum dos dois fala em valores. Dizem que tudo é negociável no contato com os clientes. Há quem cobre por hora. E existe quem feche um preço pelo serviço, aos moldes do já popular marido de aluguel, contratado para fazer pequenos reparos domésticos.

Apesar de ser uma opção para quem precisa de companhia em compromissos, o neto de aluguel ainda é visto por alguns com desconfiança. “Aqui em Marília [interior de São Paulo] não pegou apesar da oferta voluntária”, diz Adriana Cavallaris, 48 anos, outra potencial filha de aluguel “por vocação”.

Os contratantes ainda preferem os serviços de um cuidador, que tem formação na área e é uma atividade regulamentada, opina Claudio Hara, diretor do Centro Dia Angels4U e mestre em gerontologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Também é difícil mensurar um valor mínimo desse tipo de acompanhamento”, diz. “Talvez por isso ainda tenha se popularizado tão pouco.”

Texto originalmente publicado no Portal do Instituto da Longevidade Mongeral Aegon

A dor dos outros

Não se preocupe.  Um dia você vai sentir a sua. A ocorrência de algum tipo de dor, e com maior frequência, torna-se algo cada vez mais comum com o passar dos anos.  Isto é um processo natural, previsível e inevitável, conforme explica a gerontóloga Neusa Pellizzer.

De acordo com ela, o processo de envelhecimento traz como consequência, em diferentes graus, a degeneração das estruturas do organismo. “Da mesma forma que surgem as rugas e cabelos brancos, ocorre o envelhecimento dos tecidos e estruturas dos órgãos e sistemas internos. Como consequência disso, podem surgir processos dolorosos relacionados aos sistemas musculoesquelético e neurológico”.

Sem idade

Pode-se dizer que as dores decorrentes de processos agudos, inflamatórios, podem ocorrer em qualquer idade. “Se o organismo já estiver mais comprometido por comorbidades [doenças que predispõem o paciente a desenvolver outras doenças]”, diz.

As dores relacionadas a processos degenerativos, entretanto, estão relacionadas ao envelhecimento e podem se tornar crônicas. Aí é que mora o perigo porque esse fator pode levar à redução da qualidade de vida e até à depressão.  São muito comuns as dores musculares e articulares, as neurites e polineurites, entre outras. “A maior parte dos processos dolorosos na velhice será provocada por doenças crônicas”.

Mente sã, corpo são

Mas esse processo se dá de maneira diferente para cada pessoa, e depende diretamente da qualidade de vida, segundo o psicólogo  Roberto Debski, especialista em Acupuntura e Homeopatia. Aqueles que cuidam da saúde tendem a sentir menos dor e ser menos afetados pelo inevitável processo de envelhecimento.

“Para controlar as doenças crônicas é preciso manter o corpo e a mente em movimento, cultivar os relacionamentos afetivos e redes de apoio social, amizades e família, além da espiritualidade”, diz Debski.

Mudança de hábito

Grande parte dos fatores de risco ao adoecimento são os chamados fatores modificáveis, ou seja, são influenciados pelos nossos hábitos e comportamentos, concorda Neusa.

Ela destaca que o fator emocional pode potencializar e/ou desencadear os episódios de dor. “O impacto na qualidade de vida pode ser muito grande, pois limita a capacidade funcional, levando os pacientes à redução de atividades, associado ao comprometimento da autoestima, num círculo vicioso contínuo e progressivo”.

Dentro de casa

Tenho acompanhado esse processo com a minha mãe. Ela convive com uma dor no joelho que a incapacita de ter uma vida normal. A cirurgia para a implantação de uma prótese foi adiada por causa da necessidade da troca da válvula do coração. E nesse caminho, ela foi acometida por uma infecção hospitalar que a deixou quatro meses no hospital entre a vida e a morte.

Ela sobreviveu, mas a nossa vida nunca mais foi a mesma.Um dos fatores que provocaram a minha volta foi o estado em que meu pai ficou após esse episódio.

Muito da dificuldade que ambos enfrentam em se recuperar está na dificuldade em mudar velhos hábitos. Eles são muito resistentes as mudanças e às transformações do mundo. Meu pai foi criado na roça com mais 12 irmãos e teve uma vida meio selvagem, mas nunca se esforçou muito para evoluir.

É complicado porque ao tentar alertá-los sou interpretada como a filha má. A implicante que não tem paciência ou amor  pelos pais. Se os deixasse se matar aos pouquinhos eu seria uma filha melhor?

O livro “Triumphs of Experience” (Triunfos da Experiência, em tradução livre), resultante do mais longo estudo realizado sobre o assunto na Universidade de Harvard, demonstrou que há alguns fatores fundamentais para o envelhecimento saudável.

São eles: parar de fumar, beber álcool moderadamente (o álcool foi um dos fatores de maior perda de qualidade de vida, doenças e problemas familiares), controlar o peso, fazer atividade física regularmente, manter a mente ativa, viver relacionamentos afetivos saudáveis, e aprender a gerenciar o estresse.

São essas pequenas mudanças que podem fazer grandes diferenças no enfrentamento do tempo com independência e qualidade de vida.

Velha surda é a mãe!

É difícil a interação de deficientes auditivos com as pessoas. Minha mãe perdeu completamente a audição e só consegue ouvir (e pouco) graças à tecnologia de um aparelho auditivo. O processo, porém, não foi repentino e teve início há mais de duas décadas, desencadeado por um zumbido diagnosticado como labirintite.  Ela demorou a buscar ajuda e até hoje sofre as consequências físicas e a falta de compreensão da própria família.

Há dias em que rimos com as situações dessa deficiência dela. Afinal, quem não se lembra da personagem icônica da televisão brasileira criada pelo humorista Roni Rios. O quadro baseado nas incompreensões e entendimentos equivocados da Velha Surda na interação com seu amigo Apolônio.  Mas confesso que há outros em que eu e meu pai perdemos a paciência.

Ela, porém, não é a única a passar tais dificuldades: existem mais de 15 milhões de pessoas no Brasil na mesma situação, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Segundo o médico Jamal Sobhi Azzam, especialista em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, –membro titular da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Aborl-CCF) –, embora exista um forte componente hereditário, principalmente nos homens, todos estão sujeitos a perder lentamente a audição, especialmente após os 60 anos de idade.  “As perdas acontecem por uma degeneração natural das células auditivas e constituem parte do envelhecimento natural”, afirma.

Estudos mostram uma prevalência de perdas auditivas em percentuais em torno de 60 % nos indivíduos acima de 60 anos, e superior a 70 % acima dos 65 anos. Mas o problema é mundial e o ruído das cidades vai tornando a população surda progressivamente. Isso porque qualquer barulho acima de 85 decibéis é prejudicial à saúde, segundo a OMS. Um quadro que leva a traumas imperceptíveis até aparecer o popular zumbido.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Otologia (SBO), entre 15% e 20% dos brasileiros têm zumbido, sintoma que indica perda auditiva. Destes, apenas 15% se sentem incomodados com o barulho e procuram ajuda médica. A entidade também aponta que cerca de 30% a 35% das perdas de audição são creditadas à exposição a sons intensos.

Para se prevenir, a saída é evitar sempre ambientes muito ruidosos. É bom também ter cuidados com o uso excessivo de fones de ouvidos em níveis altos e ter atenção aos protetores auditivos no caso de ambiente profissional que exige a medida protetiva.  Azzam destaca ainda que é fundamental que todas as crianças realizem ao menos uma audiometria (que é o teste da audição) a partir dos 4 anos, além de todos os adultos a partir de 60 anos.

“Se diagnosticada cedo e a depender da causa, existem vários tratamentos.  Mesmo que não se consiga curar, pode-se amenizar ou compensar a perda natural”, diz o médico para o qual as  novas tecnologias ajudam muito nesse processo.

Isso porque os aparelhos de amplificação sonora individual estão muito avançados e estão cada vez são menores e mais discretos. “Existem vários canais de financiamento de compra dos aparelhos auditivos pelos bancos públicos, a juros muitíssimo baixos, mesmo para os que não são correntistas”.

O mais importante, destaca o médico, é  jamais criticar ou denegrir quem não escuta bem.  Perda auditiva é um tipo de deficiência física e é preciso entender isso e parar de se irritar com quem não escuta.

Como identificar a sua deficiência auditiva:

  1. Não conseguir mais entender direito o que a outra pessoa diz.
  2. Achar que o outro está falando muito baixo.
  3. Necessidade de aumentar o som da TV ou rádio porque acha que está muito baixo o volume.
  4. Dar respostas erradas porque não entendeu nada do que a outra pessoa disse.
  5. Pedir para repetir com muita frequência o que a outra pessoa acabou de falar várias vezes.
  6. Não conseguir ouvir sons que todo mundo da sua casa consegue ouvir.
  7. Surgimento de zumbido no ouvido.
  8. Ouvir, mas não entender o que as pessoas falam.
  9. Se isolar por que não escuta mais nada do que as pessoas falam.

FONTE: SBO e ABORL-CCF

A difícil arte de esvaziar malas velhas

O envelhecimento é condição subjetiva e heterogênea, e pode variar de indivíduo para indivíduo. Abordar o tema é abrir um leque de interpretações que se entrelaçam ao cotidiano e a perspectivas culturais diferentes.

Em muitos casos, junto ao processo de envelhecimento, o indivíduo vivencia outras situações, as quais estão relacionadas à própria personalidade. Um dos mais conflitos que tenho enfrentado nesse retorno ao lar dos meus pais é o apego excessivo a pertences que já não tem mais utilidade.

Minha mãe chega a chorar por conta de um monte de panela velha e encardida. Não sei como convencê-la, sem sofrimento, de que aquilo ali não vale nada. E fico com aquela dúvida: até que ponto acumular objetos deixa de ser uma forma de guardar lembranças para se tornar uma doença?

Quem responde é psicóloga Renata Bueno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC): “É natural que o idoso guarde coisas que funcionem como recordações, que o ajudem a contar a história de sua vida.”

De olho no bem-estar

Ela explica que desde que não interfira no seu bem-estar isso não pode ser tratado como patologia porque é uma maneira de preservar sua memória. “Tem mais a ver com a personalidade de cada indivíduo e isso deve ser respeitado”, diz.

De acordo com ela, a Síndrome de Diógenes só pode ser diagnosticada quando as pessoas acumulam objetos, lixo e até animais em suas casas a ponto de perderem espaço necessário para a higiene própria, dormir ou se alimentar. “No caso de acumulação compulsiva, há isolamento social, diminuição da mobilidade e interferência nas atividades da vida diária, como tomar banho, dormir, comer e limpar”, afirma.

Ajuda de psicólogo

A personal organizer Luara Faria é especialista em organização de residências e conta que, não raro, é preciso atuar acompanhada de psicólogo para conseguir realizar o trabalho. “Os idosos tendem a ser mais metódicos e têm dificuldades em descartar coisas”, avalia.

Mas ela desenvolveu técnicas para atender esse público e dá dicas de como organizar melhor o ambiente.  O primeiro passo é fazer um inventário de tudo que há na casa. Ao catalogar as coisas fica mais fácil demonstrar o que é realmente descartável..

Depois, recomenda uma categorização ou setorização. Ao agrupar as coisas num mesmo setor, o acesso fica facilitado. “No caso de fotografias, por exemplo, separo tudo em álbuns por datas”, explica.

Acessibilidade evita acidentes

Ela destaca que é essencial poder mexer no que se tem e saber onde está. “Tudo tem de estar acessível para evitar acidentes”, diz, reforçando que embora seja o terceiro passo esse talvez seja o mais importante.

Outra dica é organizar os remédios de acordo com os horários e por tipo de necessidade. “É preciso dar autonomia para a pessoa, por isso também é recomendável deixar bilhetes e telefones de urgência sempre à vista.”

Texto originalmente publicado no portal do Instituto da Longevidade Mongeral Aegon.

Um jovem país de cabelos grisalhos

O rótulo de país de jovens não cabe mais ao Brasil, que vem se transformando num jovem país de cabelos grisalhos. Segundo as estatísticas, caminhamos rapidamente rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido.  A mudança se dá em razão da queda da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e uma redução da taxa de fecundidade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta que em 2025 o Brasil será o sexto do mundo com o maior número de pessoas mais velhas. E falta menos de uma década para 2025. Diante dessa realidade, será que estamos preparados para lidar com as questões da longevidade?

Reeducação

Quando os problemas ambientais vieram à tona, toda a sociedade teve de passar por uma reeducação que a levou a rever seu comportamento. De lá para cá, o entendimento do ciclo de vida de um produto faz parte do cotidiano das mais diversas gerações, que entenderam a preservação do meio ambiente como algo essencial para o futuro do planeta. O desafio agora é modificar a compreensão sobre o ciclo da vida humana para ressignificar a longevidade, um fenômeno inédito para os brasileiros.

“Tudo é muito novo e demanda uma mudança cultural até do próprio idoso. É preciso não só entender, mas viver o envelhecimento com naturalidade”, diz Simone Jardim, embaixadora da Aging 2.0.

A Aging 2.0 é uma organização global, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que promove o fortalecimento de startups focadas em produtos e serviços inovadores para o público 50+. No Brasil, há duas representações desse ecossistema de negócios, chamados capítulos: o de São Paulo e o do Rio de Janeiro.

Aceitação

Simone destaca que o Brasil é um país que ainda não aceita rugas e segue um padrão de beleza juvenil. Não à toa, chegou a liderar o ranking de cirurgias plásticas, à frente dos Estados Unidos, puxado pelas intervenções estéticas.  “O preconceito tem de acabar e a sociedade precisa entender quais questionamentos devem ser feitos diante da diversidade cultural da população para desenvolver políticas públicas eficientes”, avalia. “A velhice não é homogênea”.

Sinal disso vem do empreendedor Antônio Vilmar Stachuk. Dono de um café numa badalada academia de São Paulo, Tony, como é conhecido, tem 56 anos, é homossexual e mora sozinho. Gosta de ir ao teatro, de beber cerveja e tem muitos sonhos, entre os quais viajar pelo mundo.  Os planos, porém, são sempre adiados, pois o trabalho consome tempo integral, das 6h às 22h, inclusive aos sábados. Nem por isso pensa em se aposentar. “É graças a esse corre-corre que mantenho a alegria de viver”, conta.

Pensamento semelhante tem o engenheiro Mário Solari. Aos 60 anos e recém-aposentado, nem sonha em parar. E é justamente para atender pessoas como Tony que vem se dedicando ao projeto Idade Livre, uma startup voltada para o turismo na maturidade. A decisão conta com apoio de toda a família e a animação não passa despercebida quando ele conta os planos para os próximos 30 anos.

“O turismo é uma consequência da busca pelo bem estar”, explica o novo empreendedor, que cursa pós-graduação em Marketing Digital. “Quem se considera idoso aos 60 vive em outra época”.

Não é o que sentiu na pele a jornalista Denise Ribeiro. Embora não revele a idade, ela experimentou o preconceito no mercado de trabalho ao passar dos 50 e se ver descartada pelas empresas de comunicação, que costumam priorizar os jovens. “Eu tenho um excelente histórico profissional, mas ele não é levado em conta”, avalia. “Tenho a sensação de estar numa arca de Noé de humanos, cercada de clichês por todos os lados”, reclama.

Individualidade

Essas histórias de vida indicam que é preciso levar em conta que nem todos os idosos querem pular de paraquedas. E nem todos os idosos desejam se aposentar ou passar o restante de suas vidas tricotando ou jogando dominó numa praça. “Há de se chegar a alternativas para todos os anseios”, diz a gerontóloga Marília Berzins, doutora em Saúde Pública e presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE).

Para ela, o Brasil ainda não dá a devida atenção à questão do envelhecimento. “Não há políticas públicas estabelecidas, o mercado não leva em conta as reais necessidades da maturidade e os idosos não protagonizam a própria causa, que é o envelhecimento, uma das maiores conquistas da história recente da humanidade”.

Mercado em expansão

Trata-se, destaca Marília, de um segmento expressivo, representando hoje  algo em torno de 13% do total da população brasileira e 17,9% do eleitorado. Entretanto, as questões que envolvem o envelhecimento e suas implicações não estão pautadas nas agendais eleitorais de nenhuma esfera.  “Temos um marco legal bastante avançado, mas na prática temos a escassez e ausência dos serviços garantidos por esses instrumentos. É um Brasil legal distante do Brasil real”.

Essa ausência do compromisso político com as questões da maturidade reflete o pensamento social em relação ao envelhecimento, ainda fundamentado em mitos e preconceitos.  “O jovem sempre é prioridade e enquanto não se romper esses padrões dominantes não haverá avanços na construção de uma sociedade para todas as idades”.

Apesar de algumas conquistas como o Estatuto do Idoso, a complexidade de lidar com a maturidade ainda padece de males crônicos como abandono, violência e preconceito. Não é preciso procurar muito para encontrar idosos em situação vulnerável, como seu Aurélio Mei, de 81 anos, hoje morador do Lar dos Velhinhos de Campinas (SP).

Ele morou com a irmã até sua morte, quando a sobrinha o convidou para continuar com a família. Ao completar 80 anos, sendo 60 deles trabalhando, decidiu vender sua banca de frutas no centro da cidade e buscar outra ocupação. Foi quando teve todo seu dinheiro roubado pela sobrinha, com quem mantinha uma conta conjunta. “Estou há um ano aqui no Lar, cuido da horta e estou muito feliz”, conta. “O importante é ocupar a cabeça com algum tipo de atividade”.

Etarismo

Algo nem sempre permitido por pura discriminação. E discriminar pessoas como seu Aurélio ou qualquer grupo etário tem um nome: etarismo. Um problema muito frequente no mercado de trabalho.

Experiência da seguradora Mondial Assistance mostra que há preconceito evidente até mesmo entre os idosos.  A empresa contratou 40 pessoas mais velhas e passou por uma saia justa para resolver conflitos entre mulheres que nunca tinham trabalhado dentro do próprio grupo.

Para amenizar questões desse naipe o empresário Nilton Molina idealizou o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. O objetivo é contribuir com ações concretas, especialmente na área do trabalho, de cidades e mobilização social, para colocar a questão da longevidade na agenda de desenvolvimento da sociedade brasileira e propor soluções em torno dos seus impactos sociais e econômicos.

Muito além da Previdência

“Trata-se de uma parcela da população vista ainda como um fardo para a economia. Foi o déficit na Previdência Social que despertou o Brasil para questões relacionadas ao envelhecimento”, diz Molina.

Foi a partir do instituto que surgiu o Movimento Real Idade, que reúne apoiadores de todos os segmentos da sociedade e do governo, em torno do tema, a fim de discutir a rápida mudança demográfica no Brasil e aprofundar a percepção das oportunidades e desafios provocados por esse processo.

São duas as propostas encabeçadas pelo movimento. A primeira é a requalificação e reinserção dos profissionais com mais de 50 anos no mercado de trabalho, por meio da implantação do Regime Especial de Trabalho do Aposentado (RETA), que prevê incentivos fiscais e tributários a empresas que contratarem pessoas nessa faixa etária.

O RETA é comparado à Lei de Estágio, prevendo relações trabalhistas mais flexíveis e incentivos para empresas que contratarem profissionais aposentados e com mais de 60 anos, projeto que está em linha com o Estatuto do Idoso. A redação do projeto de lei é dos professores Hélio Zylberstajn, da FEA, e Nelson Mannrich, da Faculdade de Direito da USP.

Outra medida é a criação do Índice Real Idade de Longevidade, projeto que destacará anualmente as cidades brasileiras mais bem preparadas para atender as necessidades de suas comunidades, cada vez mais longevas. A iniciativa tem assinatura do pesquisador Wesley Mendes da Silva, do Instituto de Finanças da FGV/SP.  “Reunimos mais de 80 indicadores de 500 cidades brasileiras”, conta Molina.

Ele destaca que o grande vetor para a largada do instituto foi uma pesquisa do Data Popular sobre a renda média dos brasileiros com 50 anos ou mais, que está 40% acima da renda média nacional. É um público que movimenta em torno de R$ 1,58 trilhão, equivalente ao consumo de duas Holandas.  “Mesmo assim, além da indústria da doença, não se vê nenhuma outra investindo em produtos específicos”, diz.

O Movimento Real Idade se assemelha à plataforma da Associação Americana dos Aposentados (AARP), uma organização sem fins lucrativos, apartidária, composta por sócios, que ajuda pessoas acima de 50 anos ou mais a melhorar sua qualidade de vida.

A AARP atua com serviços comunitários via Fundação e por meio de doações. Atua ainda em publicações, pesquisas, eventos, produtos e serviços, em que se arrecadam os recursos para sua sustentabilidade, além de anúncios em seu portal. Cada sócio paga cerca de US$ 20 ao ano e tem direito aos benefícios que a associação oferece, como cartões de crédito.

Empreendedor na maturidade

Mas o Movimento Real Idade não é o único que surge nesse caminho. A Rede Lab 60+ é outra que propõe respostas positivas e inovadoras para a longevidade.

Trata-se de um ecossistema de negócios inovadores com foco em produtos e serviços pensados especialmente para atender às expectativas dos consumidores de idade mais avançada. A proposta é transformar as visões estereotipadas que a sociedade brasileira ainda tem sobre as pessoas mais maduras, como considerá-las “velhas” demais para atuar no mercado de trabalho ou iniciar um negócio próprio, praticar esportes radicais ou voltar á sala de aula.

“É um espaço que fomenta a conexão da diversidade, seja intergeracional ou setorial, na busca de soluções coletivas para as questões trazidas pelo envelhecimento”, define o empreendedor Sérgio Serapião, idealizador do coletivo. “Dessa forma também cidadãos vivenciam e ressignificam essa etapa da vida”.

Pensamento disruptivo

Com a mesma pegada nasceu o Maturity Now. Um movimento em rede aberta para conectar agentes transformadores da maturidade, empoderada, empreendedora e com propósito de gerar mudanças na sociedade, conforme descreve Max Nolan Shen, idealizador do Maturity Now. “A ideia é criar novas soluções de produtos e serviços por meio do empreendedorismo na maturidade”.

Além do foco na maturidade, iniciativas como o Maturity Now, o Lab 60+ e o Aging 2.0 têm em comum a aposta no pensamento disruptivo e na atuação por meio de parcerias estratégicas. Seus protagonistas perceberam que fazer mais com mais idade, permite não só rever conceitos, mas colocar em prática alternativas mais eficazes para lidar com o crescimento exponencial e as necessidades complexas da população idosa que hoje alcança países ricos e emergentes.

Sinal de que iniciativas como essas são bem vindas, bem vistas e têm contribuído para a sociedade vêm da Virada da Maturidade, que chega a sua quarta edição depois de público 10 mil pessoas em 2015.  O evento contará com uma agenda de atividades que acontecem simultaneamente em vários pontos de São Paulo, e que trazem discussões especialmente planejadas para destacar os desafios e as oportunidades da longevidade.

Idealizada pelos psicólogos Fernanda Gouveia e Fernando Seacero, a expectativa agora é dobrar o número de participantes para 20 mil pessoas. “O objetivo é que a Virada se torne um movimento de valorização da pessoa idosa e que mobilize, a cada ano, mais pessoas e instituições para refletirem sobre a preparação da nossa sociedade para o envelhecimento”, diz Fernanda, que busca parceiros que compartilhem dos mesmos pressupostos e que queiram integrar o movimento.

Segundo Fernanda, em 2015, inicialmente, foi um desafio promover ações em que as pessoas ‘50+’ aparecessem de forma ativa, porém, em seguida, o  desenvolvimento do projeto foi inspirador. “Mostramos que o idoso pode ser protagonista de sua vida e divulgamos alternativas que oferecem oportunidades variadas”.

Ao ouvir um depoimento de um idoso ou uma história de vida, por exemplo, o público – seja lá de qual geração for – é tocado de maneira direta.  Apresentar as atividades nesse modelo traz um efeito muito mais significativo do que apenas falar sobre o potencial e a sabedoria dos idosos. A Virada da Maturidade quer mobilizar e gerar reflexão, causar impacto e surpreender. “Está funcionando”, afirma Fernanda.

Texto originalmente publicado na Revista Problemas Brasileiros.

A Casa da Mãe

Bem-vindos a essa Casa!

Essa história começa juntamente com o verão, no dia 21 de dezembro de 2017. Chovia quando minha casa em São Paulo começou a ser desmontada e levada para a estrada. Eu partia rumo ao interior, de volta para a casa da minha mãe, 25 anos depois de sair de lá, ainda menina.

Como filha única que sou, a vida me levou por uma jornada pelo qual retomar a convivência com meus pais era a única coisa que fazia sentido. Não quero aqui ditar regras sobre como lidar com o problema do envelhecimento da população. A ideia é aprender! Eu venho estudando e tenho produzido conteúdo sobre o assunto há alguns anos e isso deve dar um norte para as minhas ideias.

Mas o que eu gostaria de compartilhar com outros filhos, de verdade, é a dinâmica real do dia a dia, com todo o pedregulho que tenho encontrado. Conflitos farão parte da vida de quem passa ou passará pela mesma situação, visto que teremos uma população com mais de 66 milhões de pessoas idosas em 2050 – o triplo do que existe atualmente. Que tal buscarmos as soluções juntos?