Negar a sexualidade da pessoa idosa é privá-la de direitos

O Dia dos Namorados, 12 de junho no Brasil, é uma data comemorativa para celebrar a união amorosa entre casais. Junho também é o mês do Orgulho LGBTQIA+, uma sopa de letrinhas criada para ilustrar todas as nuances da diversidade. As iniciais, que se limitavam ao LGBT até pouco tempo atrás, ganharam novas siglas para dar mais visibilidade às diferenças. Contemplam assim novas identidades de gênero e orientação sexual.  Pode parecer pouco, mas é um passo importante para quem saiu do armário, como se diz, ou ainda sofre para se assumir. E, por isso, um possível retrocesso no  envelhecimento também precisa ser combatido.

A sexualidade faz parte da existência humana, em qualquer etapa da vida. Mas por que na velhice ela é tradicionalmente negligenciada pela medicina, assim como pouco conhecida e entendida pela sociedade?

A realização sexual e os encontros amorosos são frutos da história e das experiências de cada indivíduo e isso não depende da idade. O etarismo é uma pauta que precisa ser incluída na agenda da diversidade. Isso envolve criar estratégias de comunicação para derrubar barreiras culturais e promover educação para prevenção da saúde sexual dos maduros. E é disso que trata meu projeto de intervenção desenvolvido para conclusão do curso de Gerontologia.

Abordagem no atendimento primário é essencial

Proponho a criação de protocolo para formulação de boas práticas no diálogo entre profissionais de saúde e o paciente idoso sobre saúde sexual na Atenção Primária em Saúde. E o uso do marketing social para despertar a atenção da sociedade em geral sobre a necessidade de abordagem mais humanizada sobre todas as concepções de sexualidade junto a população idosa.

Tive contato com dois moradores de ILPIs (Instituição de Longa Permanência para Idosos) que me fizeram, inclusive, escolher a temática da sexualidade para meu projeto de conclusão de especialização em Gerontologia. Um deles, o João*, quase 70, passou a esconder que era gay desde que se mudou para o novo lar por constrangimento e receio de sofrer preconceito dos demais.

Em outra ILPI, a Maria*, na casa dos 90 anos, ainda com a libido tinindo, tinha machucados nas genitálias pela masturbação frequente com objetos como a própria bengala. Os cuidadores, além de demorar para identificar a ocorrência, estavam completamente despreparados para lidar com a situação.

É evidente que apesar de todo avanço sobre o tema do envelhecimento, ainda há um imenso tabu e despreparo entre os profissionais de saúde sobre as vivências sexuais em idosos, mesmo que não seja apenas pelo ato sexual em si. Torna-se, assim, cada vez mais urgente reconhecer a universalidade do sexo, da sexualidade, e compreender seus impactos na satisfação pessoal, bem-estar e, sobretudo, na qualidade de vida para promoção da saúde no envelhecimento.

Mudança de comportamento previne ISTs entre maduros

Doenças potencialmente preveníveis com mudança de comportamento, caso das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), se proliferam entre a população idosa no Brasil e no mundo. Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde indica um aumento de mais de 100% no número de idosos com vírus da imunodeficiência humana (HIV /Aids) na última década. Tradicionalmente, os idosos já estão mais expostos a infecções por causa da imunidade celular menor, mas chama atenção o crescimento superior a 600% na incidência de HIV/Aids entre mulheres.

É um cenário que tem se agravado por diversos fatores, que passam pelo advento de medicamentos para disfunção erétil e a popularização da reposição hormonal, até a maior participação em grupos de convivência. Tudo contribui com uma epidemia que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) pode acometer 70% da população mundial desta faixa etária se continuar nesse ritmo.

Desconstrução de estereótipos negativos

Acredito que somente tornando o tema popular, provocando discussões e formulando estratégias de longo prazo, conseguiremos descontruir os estereótipos negativos que impedem a sociedade de conhecer e entender que a questão do contato físico vai além da esfera da genitália, que não se trata de “pouca vergonha” nem de “safadeza”, mas de aspectos inerentes aos seres humanos. Entende-se, pois, que a falta de conhecimento perpetua tais tabus.

Negar a sexualidade das pessoas idosas é privá-las de direitos porque a velhice é uma idade tão frutífera como qualquer outra no que se refere à questão da prática do sexo e à vivência do amor. Ambos são elementos de valor fundamental na complexidade social.  Feliz Dia do Amor Livre!

*Os nomes foram trocados.

Sem velhos tabus, sexualidade se aprimora na maturidade

O envelhecimento é um  processo indutivo de transformação individual nas esferas física, mental e social. Tais mudanças tendem a afetar a expressão da sexualidade e forma como lidamos com ela. A boa notícia é que pode ser para melhor, conforme declarou Jane Fonda, de 79 anos, na estreia do filme “Nossas Noites”, no festival de cinema de Veneza. “Quando se trata de amor e sexo, envelhecer é uma coisa boa”, disse a atriz, que queria que a cena picante com o par Robert Redford, de 81 anos, durasse mais.

O longa-metragem é uma adaptação do livro de Kent Haruf e conta a história de um casal de viúvos que faz um acordo para superar a solidão.

Quem me deu a dica cinematográfica foi a pedagoga N.S., de 64 anos, para quem diferentemente do conceito de sexo, puro e simples, a sexualidade engloba muito mais. “É libido, energia de vida, que leva a fantasiar, desejar, amar, expressar afeto, apaixonar-se, inclusive por nós mesmos.”

Tudo está, segundo ela, relacionada à autoestima. “É um círculo virtuoso: passei a me cuidar mais e a fazer mais sexo”, conta. “Quanto mais regular, melhor fica.”

O primeiro casamento aconteceu aos 21 anos, quando os filhos vieram, mas foi na segunda união, aos 45 anos que ela diz ter descoberto o amor e realizado a sexualidade plenamente. “O autoconhecimento te dá mais liberdade para aceitar o seu corpo e direcionar o parceiro, que precisa estar na mesma sintonia”, diz.

No caso do homem idoso, a ereção demora a estabelecer-se duas a três vezes mais. “Mas uma vez obtida conserva-se mais tempo sem necessidade de ejaculação. Importa salientar também que para cada década regista-se uma diminuição progressiva na resposta sexual. Contudo, nunca se verifica o seu completo desaparecimento”, segundo os relatórios Masters & Johnson, editados originalmente nos anos de 1966 (A Resposta Sexual Humana) e 1970 (A Inadequação Sexual Humana).

Os relatórios produzidos nos Estados Unidos tiveram repercussão mundial e foram elaborados a partir de uma minuciosa investigação científica das respostas fisiológicas e anatômicas da sexualidade masculina e feminina. Os autores, em decorrência, utilizaram esses conhecimentos para a formulação de técnicas e tratamento em terapia sexual utilizadas até hoje por profissionais da área clínica.

Menopausa pode ser aliada

Outro ponto abordado é a questão da reposição hormonal na menopausa. “É como um renascimento, pois minha libido voltou juntamente com a lubrificação”, explica. “Isso tem de deixar de ser um tabu para a mulher e para o homem, que precisa ser compreensivo e mais parceiro nessa fase da vida.”

A psicóloga Margherita Cassia Mizan, de 57 anos, concorda. Para ela, a menopausa foi um alívio.  “Veio como sinônimo de liberdade porque eu pude exercer minha sexualidade de forma plena sem me preocupar com gravidez, que era um temor para minha geração”, conta.

Atualmente no terceiro casamento, ela fez mestrado em Gerontologia e lida diariamente com situações que mostram que a erotização continua a existir, apesar da desqualificação do corpo da mulher que tende a se anular com o envelhecimento.

“Sexo faz parte da vida e é tão natural que chegamos ao ponto de vivenciar, principalmente entre mulheres, a homossexualidade em centros para idosos”, diz. “Não que elas sejam homossexuais, mas ficam no estado de homossexualidade pela falta de acesso ao sexo oposto.”

É justamente para quebrar estereótipos que a jornalista Denise Ribeiro, que não gosta de se mensurar pela idade, planeja criar uma comunidade – presencial e na internet – para discutir a sexualidade na maturidade.

Inicialmente batizado KD VC, o site lançado durante a Virada da Maturidade, cujo tema da última edição foi qualidade de vida. “A prática sexual é um dos indicadores de qualidade de vida e a gente tem como proposta discutir alguns temas tabus para a maioria da população como masturbação, ejaculação precoce e relação virtual”, diz.

Questão cultural

Com três filhos e dois netos, adepta do poliamor, Denise acredita que o problema vai além da idade. “É cultural e precisa ser desnudado”, afirma. “Estou separa há 16 anos e minha vida sexual é muito mais ativa agora, com o marido alheio”, brinca.

Para ela, o que mudou é que conseguiu enxergar que não existe um grande amor, mas sim grandes amores. “Precisamos reconstruir os códigos morais e os modelos com essa nova geração madura.”

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