Já não se morre de velhice

O fotógrafo suíço René Robert morreu aos 84 anos de hipotermia após desmaiar em uma rua de Paris e ficar sem ajuda por nove horas. Ele passou mal, caiu e foi ignorado pela multidão. Privado do direito a envelhecer no Brasil, o congolês Moise Mugenyi Kabagambe foi espancado brutalmente até a morte na frente de diversas pessoas sem que ninguém lhe prestasse socorro.

Cecília Meireles escreveu “já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.”

Poderíamos aqui citar incontáveis atrocidades praticadas frente a uma sociedade indiferente. A indiferença é um sentimento associado à insensibilidade e à frieza. O indivíduo indiferente não se importa com o outro, com o sentimento alheio. Nada lhe importa.

É um comportamento que passa uma mensagem dolorosa: “dane-se o outro”. Esta apatia incompreensível causa angústia e temor. Passamos a elaborar razões para explicar a insensibilidade do outro, mas nem sempre conseguimos encontrar uma explicação boa o suficiente. E a indiferença está presente em várias atitudes do nosso dia a dia. Principalmente no trato com os mais velhos, os vulneráveis, os diferentes de nós.

No estudo “Indiferença: um estudo psicanalítico”, tese de mestrado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a autora Daniela Ferraz destaca a indiferença como modalidade de sofrimento de nossa época, apontando os caminhos pelos quais ela se apresenta na sociedade atual.

Ela defende que a indiferença é parte da nossa cultura. É uma atitude em relação a algo, uma possibilidade de desafetação frente ao sofrimento.

No campo político, o narcisismo generalizado, produto do neoliberalismo, é destacado como um dos responsáveis pela indiferença na sociedade atual, porque implica em uma lógica de exclusão da diferença.  Além disso, há a indiferença depressiva, situada no campo da análise clínica. Ela se relaciona ao fracasso do ideal de felicidade da sociedade atual, sendo combatida pelos indivíduos com remédios e terapias.

Considerando tais perspectivas do estudo, o desafio então é romper essa indiferença. Esse despertar consiste em não nos isolarmos e insistirmos por uma abertura à diversidade. Não podemos ignorar, – ser indiferentes à indiferença -, independentemente das causas que nos levam a agir deste modo.

Como seres humanos que convivem em sociedade, a interação, o sentir, o rir, chorar, conversar, se importar, sonhar, fracassar, cair, levantar e sacodir a poeira – como cantou brilhantemente a saudosa Elza Soares – fazem parte da jornada. O processo de bem envelhecer passa pela experiência completa. É isso que torna a vida emocionante. Ou ao menos deveria.

Pessoas não têm prazo de validade

Francisco Olavarría Ramos, autor do manual didático “El Micro Edadismo lo vamos jubiliar”, escreveu que o preconceito em relação à idade gera exclusão, baixa autoestima, problemas de saúde e abuso.

E por se tratar de discriminação cada vez mais evidente, que se soma a outras como crença, raça ou gênero, cabe a todos nós combatê-la.

Aliás, cada um de nós é uma vítima potencial da marginalização sentida à medida que os anos passam. O chamado idadismo ou etarismo, como preferem alguns, é uma construção social e está escancarado na mídia e nas nossas relações, inclusive de trabalho. Ainda hoje enfrentamos o envelhecer como um fardo e isso se estende para o ambiente corporativo.

Por isso, lidar com a aceitação dentro de nós mesmos pode ajudar nessa conscientização coletiva, desmantelando estereótipo de que o velho é feio, inútil ou ruim. Precisa ser um despertar geral da sociedade, pois é um preconceito que nos uniformiza e nos relega à indiferença pela invisibilidade. Até mesmo para os acadêmicos atuais é desafio acrescentar e lidar com a questão, assim como fizeram com racismo, sexismo, homofobia e aporofobia, entre outros.

Apesar de todo o esclarecimento ainda somos pegos alimentando o monstro do idadismo mesmo sem querer, por isso esse alerta para tomar cada vez mais cuidado para combatê-lo. O desafio é mudar a cultura resultante do envelhecimento como processo trágico e transformá-lo em algo natural.

Como provocar transformações?

Essa mudança de paradigma em direção a um envelhecimento autônomo, pleno, satisfatório e heterogêneo requer muito ativismo com pequenas medidas, como questionar o cânone da beleza tradicional associada aos jovens, apostar no currículo cego, promover programas para avaliar a experiência e talento sênior no mundo dos negócios, optar por notícias otimistas quando seus protagonistas são mais velhos ou incluir no código penal a idade como um fator agravante em crimes de ódio.

Combater o idadismo significa não só desafiar estereótipos, mas visões arraigadas que nos impedem de celebrar a diversidade e as diferenças que nos caracterizam como seres humanos. Combatendo a discriminação fomentamos novas formas de convívio social, incluindo as interações baseadas no respeito e na solidariedade entre gerações e, claro, de inclusão intergeracional.

No mercado de trabalho, por exemplo, isso requer de nós também a construção de uma carreira autogerida que acompanhe as tendências globais do mercado, com a flexibilidade necessária para mudar constantemente. Afinal, os 60+ de hoje estão apenas na metade da vida e terão um longo caminho a percorrer num mundo cada vez mais fluído. É tempo suficiente pra aprender, desaprender, contribuir, empreender, ou seja lá o que for.

Nesse contexto de alta mobilidade – de pessoas, das empresas e até da própria estrutura do conhecimento –, é importante pensar no conceito de aprendizagem contínua, o chamado lifelong learning. E as novas tecnologias, se acessíveis e mais amigáveis, podem ser importantes ferramentas para isso, nos ajudando na construção de uma versão revisada, ampliada e melhorada de nós mesmos. Afinal, pessoas não têm prazo de validade.

Este artigo foi originado a partir de uma reunião a convite da SAE Brasil entre Rachel Cardoso, jornalista e gerontologista, Flávio Padovan, especialista em gestão e sócio da MRD Consulting, e Eduardo Estellita, cofundador do Instituto Diversidade. Confira a íntegra dessa CONVERSA INSPIRADORAConfiança e apoio intergeracional – a base de um mundo conectado

Negar a sexualidade da pessoa idosa é privá-la de direitos

O Dia dos Namorados, 12 de junho no Brasil, é uma data comemorativa para celebrar a união amorosa entre casais. Junho também é o mês do Orgulho LGBTQIA+, uma sopa de letrinhas criada para ilustrar todas as nuances da diversidade. As iniciais, que se limitavam ao LGBT até pouco tempo atrás, ganharam novas siglas para dar mais visibilidade às diferenças. Contemplam assim novas identidades de gênero e orientação sexual.  Pode parecer pouco, mas é um passo importante para quem saiu do armário, como se diz, ou ainda sofre para se assumir. E, por isso, um possível retrocesso no  envelhecimento também precisa ser combatido.

A sexualidade faz parte da existência humana, em qualquer etapa da vida. Mas por que na velhice ela é tradicionalmente negligenciada pela medicina, assim como pouco conhecida e entendida pela sociedade?

A realização sexual e os encontros amorosos são frutos da história e das experiências de cada indivíduo e isso não depende da idade. O etarismo é uma pauta que precisa ser incluída na agenda da diversidade. Isso envolve criar estratégias de comunicação para derrubar barreiras culturais e promover educação para prevenção da saúde sexual dos maduros. E é disso que trata meu projeto de intervenção desenvolvido para conclusão do curso de Gerontologia.

Abordagem no atendimento primário é essencial

Proponho a criação de protocolo para formulação de boas práticas no diálogo entre profissionais de saúde e o paciente idoso sobre saúde sexual na Atenção Primária em Saúde. E o uso do marketing social para despertar a atenção da sociedade em geral sobre a necessidade de abordagem mais humanizada sobre todas as concepções de sexualidade junto a população idosa.

Tive contato com dois moradores de ILPIs (Instituição de Longa Permanência para Idosos) que me fizeram, inclusive, escolher a temática da sexualidade para meu projeto de conclusão de especialização em Gerontologia. Um deles, o João*, quase 70, passou a esconder que era gay desde que se mudou para o novo lar por constrangimento e receio de sofrer preconceito dos demais.

Em outra ILPI, a Maria*, na casa dos 90 anos, ainda com a libido tinindo, tinha machucados nas genitálias pela masturbação frequente com objetos como a própria bengala. Os cuidadores, além de demorar para identificar a ocorrência, estavam completamente despreparados para lidar com a situação.

É evidente que apesar de todo avanço sobre o tema do envelhecimento, ainda há um imenso tabu e despreparo entre os profissionais de saúde sobre as vivências sexuais em idosos, mesmo que não seja apenas pelo ato sexual em si. Torna-se, assim, cada vez mais urgente reconhecer a universalidade do sexo, da sexualidade, e compreender seus impactos na satisfação pessoal, bem-estar e, sobretudo, na qualidade de vida para promoção da saúde no envelhecimento.

Mudança de comportamento previne ISTs entre maduros

Doenças potencialmente preveníveis com mudança de comportamento, caso das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), se proliferam entre a população idosa no Brasil e no mundo. Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde indica um aumento de mais de 100% no número de idosos com vírus da imunodeficiência humana (HIV /Aids) na última década. Tradicionalmente, os idosos já estão mais expostos a infecções por causa da imunidade celular menor, mas chama atenção o crescimento superior a 600% na incidência de HIV/Aids entre mulheres.

É um cenário que tem se agravado por diversos fatores, que passam pelo advento de medicamentos para disfunção erétil e a popularização da reposição hormonal, até a maior participação em grupos de convivência. Tudo contribui com uma epidemia que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) pode acometer 70% da população mundial desta faixa etária se continuar nesse ritmo.

Desconstrução de estereótipos negativos

Acredito que somente tornando o tema popular, provocando discussões e formulando estratégias de longo prazo, conseguiremos descontruir os estereótipos negativos que impedem a sociedade de conhecer e entender que a questão do contato físico vai além da esfera da genitália, que não se trata de “pouca vergonha” nem de “safadeza”, mas de aspectos inerentes aos seres humanos. Entende-se, pois, que a falta de conhecimento perpetua tais tabus.

Negar a sexualidade das pessoas idosas é privá-las de direitos porque a velhice é uma idade tão frutífera como qualquer outra no que se refere à questão da prática do sexo e à vivência do amor. Ambos são elementos de valor fundamental na complexidade social.  Feliz Dia do Amor Livre!

*Os nomes foram trocados.

O direito de ir e vir sob a ótica da Gerontologia

Envelhecer reduz de forma incontestável nossas capacidades físicas e funções fisiológicas.  E por óbvio que pareça, as pessoas com outras deficiências, agregam a isto, o fato de envelhecer, com tudo o que isto implica. Portanto, ser um idoso ativo, independente e autônomo, é um privilégio nem sempre ao alcance de todos. Assim, o enfrentamento da transição demográfica, pela qual o Brasil atravessa, precisa necessariamente passar pelo debate ao direito de ir e vir.

Segundo o último Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa já é o grupo que mais cresce no Brasil, cerca de 4% ao ano. As projeções populacionais apontam que, em 2031, o número de idosos do país (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o número de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos (42,3 milhões). E, ainda de acordo com o IBGE, mais de 60% dos idosos brasileiros apontaram ter algum tipo de deficiência. Ou seja, uma parcela que não pode ser ignorada.

E, como a perda de algumas funcionalidades é comum no processo de envelhecimento, o Estatuto do Idoso considera que esse grupo da população deve ter preferência na destinação de políticas públicas e recursos para garantia de seus direitos. Além disso, a população idosa é considerada especialmente vulnerável pela Lei Brasileira de Inclusão.

Questões interseccionais

Não à toa, políticas e serviços que oferecem recursos de acessibilidade às pessoas com deficiência também atendem algumas das demandas dos idosos, uma vez que contribuem com o acesso à informação e com a inclusão social deste grupo.

Trazer esse tema para reflexão sob o olhar da Gerontologia não ocorre por acaso. Não tem muito tempo um artigo publicado pela Folha de São Paulo previa a morte do mercado de carros para Pessoas com Deficiência (PCD), no País.

Um carro automático não é luxo quando pode prevenir Lesões por Esforço Repetitivo (LER), por exemplo. São alternativas de prevenção ao agravamento de doenças que podem levar a limitações e até tirar a mobilidade, alterando a qualidade de vida. E aqui não cabe julgamento moral. Não se pode determinar se uma deficiência é maior ou menor e o quanto vai se agravar com o passar do tempo.

Mas é fato que a questão do carro é apenas um dos vieses do problema. Vide o outro lado: a dificuldade de um pedestre idoso que não consegue atravessar a rua no semáforo pelo tempo insuficiente. No sistema de transporte coletivo, então, nem se fala. Os 60+ conseguiram o passe livre, mas muitos não dão conta de subir no ônibus; aprenderam a usar a internet, mas a acessibilidade digital ainda é discurso para inglês ver, como se diz.

“Para falar do direito de ir e vir é preciso, primeiramente, dar acesso à informação”, diz a consultora Mara Ligia Kiefer, líder de Projetos de Inclusão da Somar Diversidade. “A indústria hoje, de modo geral, produz para uma sociedade estereotipada dentro de um padrão de normalidade homogêneo.”

Ao não levar em conta a diversidade da população real, o mercado e o Estado excluem pessoas de baixa estatura, de estatura elevada, gestantes, obesas, muito magras, com deficiência motora, auditiva e visual. Essas três últimas, por exemplo, são funcionalidades que são seriamente comprometidas com a senescência.

Não se trata aqui de criar um mercado para idoso, como muito se fala, mas de tirar do papel o conceito de desenho universal, projeto de produtos, serviços e ambientes que possam ser usados por todos.  Isso sim garantiria que todos fossem contemplados dentro de suas singularidades e incluídos na sociedade.

Rachel Cardoso é jornalista e gerontóloga

É preciso compaixão para conviver com o diferente

É muito fácil se compadecer de quem está longe, mandar dinheiro para uma criança com fome na África ou sofrer por um animal judiado na internet. Agora, será que o nosso próximo não está mais próximo do que a gente pensa? Por que é tão complicado tolerar ideias antagônicas?

Novembro está aí e o que fizemos de 2018? Melhor do que a lista de ano novo, é o balanço do que realmente foi concretizado [sim, eu sofro de ansiedade e o restinho de tempo que sobra até as confraternizações passa voando]. Sempre prometemos ser mais bonzinhos e equilibrados.  Ah, e praticar atividade física. Mas em que, de fato, temos contribuído para o mundo?

Eu tenho pensado bastante nisso porque é muito fácil ter compaixão de quem está longe, mandar dinheiro para uma criança com fome na África, ou mesmo sofrer por um animal judiado na internet. Agora, será que o nosso próximo não está mais próximo do que a gente pensa?

Nossa família, nossos amigos, nossos pais que envelhecem e começam a exigir uma paciência que precisa ser aprendida. Mesmo aqueles estranhos que cruzam nosso caminho.

O quão tolerante somos  para conviver com aqueles que pensam diferente de nós? Compreender o estado emocional de outra pessoa e relevar as ideias que consideramos estapafúrdias é um movimento que requer vontade de se reformar intimamente e tempo.

Só a experiência te dá capacidade de abrir seu melhor sorriso amarelo e fingir que concorda com algo que na verdade discorda completamente. Claro que é muito fácil exercitar a verborragia nas redes sociais, protegido pela tela de um eletroeletrônico. Será que já não é hora de parar de dispender tanta energia à toa?

As eleições deixaram um saldo um tanto quanto negativo diante da polarização nas urnas e deram um bom exemplo do nosso mau comportamento. Mas nem só de política, futebol ou religião se nutrem os desentendimentos.

Então, que tal começar a lista para 2019 com coisas como perdão, simpatia, sinergia, empatia, serenidade e humildade. Que a sua opinião seja dada de forma divertida e gentil, com prudência! É o meu desejo de ano novo.

Afinal, para quem gosta de sair do comodismo, e ter crescimento pessoal, conviver e lidar com pessoas diferentes pode ser um excelente aprendizado. Do meu lado, só posso dizer que esse primeiro ano passado aqui pertinho dos meus pais tem sido um exercício e tanto.

Logo eu que tinha a pretensão de mudar a vida deles para melhor! Não foi bem assim. Quem está mudando a minha são eles. Os nossos diversos embates serviram para mostrar que eles estavam felizes do jeito que estavam. E tive de apoiar, embora não entendesse nada de compaixão até então.

Quando falo em compaixão, não me refiro a sentir pena. É antes de tudo um sentimento que se diferencia porque leva à ação. Então, quando alguém se compadece por um indivíduo está mostrando respeito pela sua dor e tomando alguma atitude para amenizar a angústia que ele sente. É disso que se trata.

E, assim como diversos outros tipos de comportamentos, a compaixão pode ser treinada e desenvolvida. Eu comecei a praticá-la na convivência com os meus idosos. E, sinceramente, acredito que aprender a tolerar as diferenças com classe é um ótimo item para incluir na listinha de ano novo de todos os brasileiros.

Com 15 anos, Estatuto do Idoso ainda é ineficiente

Perdi a conta de quantas ligações da Caixa Econômica Federal meu pai, de 76 anos, recebeu com a oferta de um empréstimo consignado de R$ 10 mil. Um assédio a insistência. Importante contar isso porque nem sempre um idoso compreende o que de fato está acontecendo. E nem sempre haverá um cuidador para colocar os pingos nos is, como tive de fazer com a atendente ao telefone, diante da contundência da oferta.

Prestes a completar 15 anos em primeiro de outubro, o Estatuto do Idoso apresenta falhas e tem muito a ser atualizado, principalmente se for levado em conta esse novo consumidor idoso. Por isso, as alterações recentes sancionadas pelo presidente Michel Temer são positivas, mas insuficientes diante do Brasil Sênior que se desenha.

Basta levar em conta que apesar de ainda jovem, essa legislação não previu quando nasceu que os cidadãos fossem alcançar, e ultrapassar, os 80 anos. Com isso se fez necessário mudanças para priorizar as necessidades dos 80+ em relação aos demais idosos.

“Os idosos 80+ são muito diferentes dos idosos 60+. São mais sensíveis, mais vulneráveis, têm mais problemas físicos, têm (ou não) mobilidade reduzida. Em troca, têm mais conhecimentos acumulados e mais pressa em compartilhar esses conhecimentos”, escreve Vovô Neusa, do alto de seus 85 anos.

Favorável à alteração,  Neuza Guerreiro de Carvalho é um dos Talentos da Maturidade, e a responsável pelo Blog  Vovó Neuza. Professora aposentada, memorialista e pesquisadora, ela tem uma incrível agilidade para conduzir esse trabalho. “Estou saudável, integra o quanto se pode ser nessa idade, ativa, ainda entusiasmada e motivada a procurar projetos e atividades”.

As novas regras definidas representam, sem dúvida, um marco legal na proteção de uma parcela da sociedade brasileira representada por Vovó Neusa e cada vez mais numerosa. Mas isso não significa que os direitos definidos são, na prática, respeitados, conforme apurado por Ana Vargas, gestora do Portal Plena. O canal é o mais novo parceiro do Casa de Mãe. O objetivo  ao unir forças é ampliar e melhorar a cobertura sobre o tema proposto.

“O que se percebe é que o Estatuto do Idoso não tem sido eficiente na proteção dos interesses individuais e coletivos dos idosos brasileiros”, diz o advogado Everson Prado, especialista em Direito Contratual e Consumerista da Barbero Advogados.

Para ele, ainda que a legislação atual detenha instrumentos que impeçam os abusos cometidos contra as pessoas mais velhas, é comum o surgimento de casos de infração contra idosos que necessitam da intervenção do Poder Judiciário para que a legalidade se estabeleça. As políticas abusivas de cobrança de planos de saúde para idosos, bem como situações nas quais ocorre o endividamento destes devido a políticas agressivas de concessão de crédito consignado, são alguns exemplos.

Prado destaca que a oferta ‘facilitada’ de crédito aliada à omissão das reais condições do negócio e do fato de que o desconto das parcelas é feito diretamente na folha de benefício previdenciário, são os principais instrumentos usados pelas empresas deste setor para agir de forma abusiva. Não é razoável exigir que o consumidor idoso, dentro de suas limitações, detenha condições mínimas para compreender todas as informações do crédito ofertado, bem como domine os canais de atendimento, cada vez mais dinâmicos e digitais”.

Não à toa, o Estatuto do Idoso se comunica diretamente com as normas protecionistas do Código de Defesa do Consumidor. E é a grande vulnerabilidade dos idosos diante das investidas cada vez mais abusivas das empresas, combinada com a falta de fiscalização,  que contribuem, segundo Prado, para a judicialização dos casos.

Ele cita, como o exemplo, o julgamento decorrido de uma Ação Civil Coletiva que tramitou perante a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e  que resultou no impedimento de uma prática bastante conhecida por todos nós: a promoção de cartões de crédito via telefone.

Nesta prática muito comum, atendentes ligam para os idosos oferecendo cartões de crédito e estes, munidos de boa fé e ingenuidade, aceitam as propostas feitas e, a partir daí, costumam ficar endividados a ponto de não poderem manter o próprio sustento.

“A ação civil coletiva adveio de denúncia sobre abusividade na concessão de crédito para aposentados e pensionistas com limites superiores em até duas vezes o valor do benefício e com desconto direto em folha de pagamento. Caso flagrante de política agressiva que contribui para o descontrole financeiro dessa fatia da população que demanda atenção especial”, conta Prado.

Por esses e outros motivos, o especialista afirma que o Estatuto doIdoso ainda não alcançou a efetividade esperada.  Veja abaixo os principais pontos desta entrevista:

O Estatuto do Idoso funciona de forma efetiva ou se trata de mais um documento bem intencionado que, na prática, deixa a desejar?

O Estatuto do Idoso, desde sua criação, trouxe importantes avanços na proteção dos interesses individuais e coletivos dos idosos. Acesso ao transporte público gratuito, vagas de estacionamento marcadas, a implementação do benefício assistencial do LOAS [Lei Orgânica de Assistência Social] e a tramitação privilegiada em processos judiciais são exemplos práticos em que o documento alcança alguma efetividade. Todavia, em alguns segmentos específicos, o documento não tem a efetividade esperada, como no caso da exposição exacerbada dos idosos ao crédito facilitado e seus reflexos no cotidiano dessa fatia da população.

Poderia citar algum caso em que sua atuação como advogado beneficiou um idoso que o tenha procurado por ser vítima de algum abuso previsto no Estatuto?

Estamos atuando em um caso em que um casal de idosos teve a contratação de plano de saúde negado em razão da chamada “sinistralidade” e em razão de sua idade avançada.

Quais são os principais abusos cometidos contra os idosos?

Reajuste desproporcional em mensalidades de planos de saúde, cancelamentos de planos de saúde empresarias compulsoriamente após a aposentadoria do idoso e superendividamento do idoso são ocorrências que sempre se repetem.

Em relação ao endividamento, é comum vermos que algumas empresas chegam a ligar insistentemente para idosos/aposentados oferecendo ‘facilidades’ relativas à oferta de crédito e muitos continuam caindo nesse golpe. Não haveria uma maneira legal de impedir isto?

Apesar de um projeto de lei visando beneficiar o consumidor exposto ao assédio típico das empresas desse segmento ter sido aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara de Deputados, efetivamente não há uma maneira legal de impedir essa prática. O que ocorre é que os benefícios são pagos por meio dos bancos, que tem acesso a esse tipo de informação e a partir disso passam a classificar o idoso como potencial usuário destes serviços de crédito, sem se preocupar, muitas vezes, com a forma que as condições e a contratação do negócio é disponibilizada.

Em relação aos reajustes abusivos dos planos de saúde: como o idoso deve proceder diante disso. O que ele pode fazer, de forma prática e legal, para não aceitar esse tipo de abuso ?

O idoso tem que verificar se o reajuste encontra-se em acordo com a previsão do órgão regulador, que no caso é a ANS. O reajuste do usuário que superou a faixa dos 59 anos não pode ser superior a seis vezes o valor do usuário enquadrado na primeira faixa do plano de saúde, que é aquele que tem idade de 0-18 anos. Caso se verifique o reajuste desproporcional, o idoso pode fazer reclamação junto ao Procon, procurar a Defensoria Pública ou advogado, bem como realizar denúncia ao Ministério Público para averiguar as irregularidades que detém as prerrogativas necessárias para apurar e levar o caso adiante.

A maior parte dos idosos brasileiros é formada por pessoas de classe média/baixa que, em caso de abusos, não teria como arcar com despesas legais. O que pode ser feito?

Não só em relação aos idosos, mas toda a população hipossuficiente economicamente pode valer-se dos benefícios da assistência judiciária gratuita, antes regulada pela Lei 1.060/50 e atualmente enraizada no Código de Processo Civil, o qual garante à parte a isenção de custas e despesas legais aos cidadãos que fizerem prova dessa condição.

Qual sua opinião sobre alteração realizada no Estatuto ano passado?

A alteração traz entendimento que, dentre a população idosa, também há diferenciação em razão do agravamento do risco de saúde pelo avanço de sua idade e diante disso adotou critério objetivo para tratar as urgências em uma camada da população que já deveria ter, em tese, prioridade de atendimento. Do ponto de vista técnico, apesar de não existir ilegalidade na alteração, o que se demonstra é a ineficiência das instituições em garantir uma prioridade que já deveria estar sendo observada.

Com Portal Plena.