Por Adi Leite *
Estou me sentindo pressionada, me disse uma amiga.
Você não se sente?
Estamos envelhecendo.
Ninguém me trata mais de “você”.
É sempre “senhora”.
Com licença senhora?
Senhora, posso ajudar?
Sem contar quando algum engraçadinho com aquela cara de, porra vou ter que dar o lugar prá essa velha, não ousa oferecer o lugar no metrô.
Hahahahahahaha.
Não é prá rir não. É triste.
O que mais me incomoda?
Hum, estar envelhecendo incomoda mais.
Você já percebeu que até as palavras usadas estão mudando?
Inovação, disrupção, impacto e infinitas outras, parecem ter saído de uma caixa escondida embaixo da cama de um escritor de dicionários frustrado. De repente alguém descobriu e resolveu libertá-las e aí virou essa loucura, todo mundo fica repetindo. Parece coisa de criança, sabe?
Não.
Não? Sabe quando criança aprende uma palavra e fica repetindo o dia inteiro?
Meu filho ficava repentindo ombedi, ombedi, ombedi, ombedi, e ninguém sabia o que era, um dia andando na rua ele aponta para um ônibus e fala ombedi.
Agora parece a mesma coisa. Disrupção prá lá, impactar prá cá.
E o saco é que temos que aprender isso para não parecermos ignorantes.
Aprendendo coisas novas?
Humpf! Prá que eu preciso aprender coisas novas se eu estou ficando velha?
Meu corpo mudou. Meu cabelo mudou.
A maneira como meu corpo se relaciona com o mundo mudou. A maneira como o mundo se relaciona com o meu corpo também mudou.
Não, não estou triste com isso.
Estou com medo.
Vira e mexe algum amigo me diz que eu preciso me reinventar.
Já fiz isso algumas vezes nos últimos cinco anos.
Desisti da última reinvenção no meio do caminho.
Me disseram que eu tinha que ser mais resiliente.
RESILIENTE?
WHATAHELL????
O que eu ia fazer que desisti no meio?
Me disseram que eu deveria ser influencer digital.
E fazer um esforço desumano para ter um milhão de pessoas me seguindo.
Surtei. Prá que ter um milhão de pessoas me seguindo?
Nunca gostei disso. Nunca gostei de dar satisfação da minha vida para ninguém. Já pensou que horror. Um milhão de pessoas te seguindo, sabendo tudo que você come, com quem você se encontra e além de tudo podendo opinar a respeito?
Credo, que horror!
Não quero ser influencer digital.
Será que não dá pra ser apenas eu?
Só quero escrever sobre o que penso e gosto, afinal, escrever foi a maneira com que eu construí a minha vida pessoal, financeira e profissional, pelo menos até agora.
Essa coisa de influencer me faz pensar que nunca mais poderei ser livre.
Não quero contar para meus seguidores o que eu estou comendo. Acho no mínimo deselegante.
Se eu estou em crise?
Na verdade estou pensando sobre a passagem de tempo, só isso.
Quer dizer, não é só isso.
Esses dias em uma rede social vi um texto que oferecia uma forma de lidar com o envelhecimento em dez lições.
Desconfiei. Mesmo assim fui conferir.
Minha desconfiança subiu cerca de mil por cento.
Como pode haver uma fórmula pré-determinada para lidar com a passagem do tempo?
Uma fórmula em dez lições?
Vivi até agora cinquenta e cinco anos e não sei se dez lições fariam alguma diferença nesse momento da minha vida.
Não, não estou desacreditando o autor do texto. Sorry.
É que na verdade, o mundo e a vida ficaram tão complexos, mas tão complexos que não consigo acreditar que seguindo uma cartilha eu consiga lidar com essa pressão.
Que pressão? Você não percebe?
Envelhecer sendo seguido por um milhão de influencers oferecendo fórmulas mágicas de sucesso.
Hummm, não dá.
Não, não sou contra. Mas, prá mim não dá.
O que você vai fazer então?
Prá ser sincera, comecei uma pesquisa sobre o significado da palavra RESILIÊNCIA.
O que eu achei?
Faz sentido.
Fiquei viajando que esta palavra poderia ter um formato.
Formato?
Sim, eu poderia ficar repentindo como meu filho fazia: Ombedi, ombedi, ombedi.
No meu caso, resiliência, resiliência, resiliência e que poderia fazer isso imaginando uma porta aberta para apontar meu dedo.
*ADI LEITE é um amigo querido, jornalista, repórter fotográfico, autor da foto que ilustra essa crônica, e diretor da Reativação Insights e Desenvolvimento Humano.