Tenho sido atropelada pelo trabalho e ainda tenho de me sentir agradecida por ter uma fonte de receita, por ter um teto e a geladeira cheia, enquanto um número cada vez maior de pessoas caminha ao relento sem ter o que comer. Tenho sido engolida pela dor de aceitar passivamente a morte de pessoas queridas porque “Deus quis assim” ou porquê seja lá onde for elas estarão melhores, “nos braços de Deus”. Essa impotência se transformou em raiva. Uma raiva que aperta o peito e não sei bem administrar. Acredito que seja semelhante ao que sente o idoso quando sua vida é restringida.
É uma avalanche de sentimentos que responderá pela próxima pandemia: as doenças mentais. E a gente sabe que o envelhecimento é a fase em que estes tipos de transtornos são mais recorrentes, principalmente as demências, distúrbios de humor e ansiedade. E os estados confusionais, diga-se de passagem, são os que mais estão ligados às taxas de mortalidade, segundo relatos científicos. Já há também diversas pesquisas indicando que a maioria dos terapeutas ainda não receba treinamento especializado em tratamentos geriátricos.
Diante de tanta dificuldade em lidar com a saúde mental, cada um tem um jeito diferente de encarar os problemas, mas confesso que quando me convidaram para participar de uma roda de conversa que trata do futuro da longevidade no pós pandemia eu só consegui pensar, mas que “catso” de futuro? Estaremos todos loucos de pedra em breve! O que posso dizer se não vejo nada positivo no horizonte?
É tanto absurdo das autoridades que deveriam nos proteger, tanto conteúdo sem sentido de gente inescrupulosa, tanta laive sem noção, tanto influencer sem ética. A gente perde o rumo! E acho que é natural. Não seria normal estar agora postando foto de viagens paradisíacas e fartos pratos de comida como se o mundo estivesse na mais perfeita ordem.
Mas a cutucada serviu para me tirar da zona de conforto e foi pesquisando para levar algo plausível nessa bate-papo que engravidei dessas ideias. Minha cabeça, como disse Nietzsche para Breuer em “Quando Nietszche chorou”, está grávida de pensamentos. As enxaquecas são as dores de parto desse processo. Ou mais roqueiramente falando, como cantou Titãs na canção “AaUu”, estou ficando louco de tanto pensar; estou ficando surdo de tanto escutar; estou ficando cego de tanto enxergar…
Mas ainda não estou rouca. E preciso gritar!
Eu percebi que o cativeiro que agora experimentamos diante de uma crise da Saúde intensificada por um governo que não poupa esforços para destruir o povo, é velho conhecido de boa parte da população idosa. É uma parcela que enfrenta tais agruras independentemente do isolamento imposto pela Covid. E vai piorar quando se pensa em saúde mental. Há muito ser humano preso no próprio corpo, incapaz de exercer atividades diárias, e que precisa abrir mão de toda uma história de vida para manter-se vivo por mais algum tempo.
O quanto você estaria disposto a abrir mão de pequenas coisas que te dão prazer para viver um pouco mais? Qual seria sua escolha? No fim da sua existência, abriria mão do seu colchão, das suas lembranças, do refrigerante, de um baseado ou de um torresminho, só para prolongar um pouco mais a estada nesse planeta sem futuro?
Do ponto de vista do cuidador, proibir ou ceder?
Até onde podemos ir para proporcionar um pouco de conforto e felicidade a quem não tem muito mais pela frente? Não existe uma resposta e são muitas as perguntas quando estamos aprendendo a lidar com o envelhecimento. E a enxaqueca só faz aumentar…
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Eu sempre fui rígida, principalmente com os meus pais, dessas que segue à risca a recomendação de cortar o sal, o açúcar e outras guloseimas. Mas com a pandemia os limites mudaram e a vida já ficou sonsa demais para não desfrutar de certos prazeres, como uma taça de um bom vinho, um livro, uma corrida, um raio de sol no rosto sem máscara. Percebi, então, que talvez o viver mais dependa dessas lufadas de vento na cara. E que nada muda no meu sentir com o passar dos anos.
Agora quando me perguntam qual o futuro da longevidade eu só sei dizer que não há regras. Ganhamos tempo de vida, mas não qualidade necessariamente. Talvez a coisa mais importante para o envelhecer bem seja a liberdade de decidir a própria vida.
Cuidar é importante, mas que o cuidado não se transforme num castigo.
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