Decifra-me ou te devoro

AEstou hospedada na casa da amiga Patrícia Oliveira que é nutricionista e com quem sempre aprendo muito. Essa estada trouxe à tona um assunto bastante importante, que não depende da idade, mas que pode ficar mais complicado à medida que os anos passam. É que a leitura do rótulo dos alimentos não exige somente uma lupa para enxergar as letrinhas miúdas. Requer também sabedoria para decifrar as entrelinhas.

Como sempre a pauta veio de Casa. Depois de anos de insistência, meus pais se convenceram de que alimentos integrais merecem destaque à mesa. Mas ainda pecam por achar que são  totalmente livres numa dieta para perda de peso. Falta-lhes compreensão sobre o que estão ingerindo. Não são os únicos, por certo, diante da crescente preocupação com a saúde e da busca por hábitos mais saudáveis.

Assim, se ler os rótulos dos alimentos deve ser regra, por trás dessa mudança de comportamento existe outro problema significativo: nem todo mundo compreende o que está escrito.

Estudo feito pelo Disque Saúde, do Ministério da Saúde, aponta que apenas 38% das pessoas que fazem leitura das embalagens entendem as informações. A pesquisa não é recente, mas ainda reflete a realidade, segundo Patrícia, à frente da Nutripon Clínica e Consultoria. “O que as pessoas mais olham é a quantidade de calorias”, diz.

Isso, porém, não é nem de longe o mais preocupante. Para uma alimentação saudável, é preciso observar as informações nutricionais e a relação de ingredientes presentes no produto, ou seja, o que cada um deles faz pelo organismo – de bom e de ruim. “O rótulo é uma forma de comunicação da indústria com o consumidor”, explica.

De acordo com ela, esses dados não são equivalentes ao produto como um todo, e sim de uma porção. E aí é que mora o perigo. Na soma, pode estar oculta uma quantidade prejudicial de substâncias como os açúcares acrescentados, considerados ruins, e os açúcares presentes naturalmente, que não são ruins, mas em excesso comprometem a dieta.

“O grande problema é que o açúcar pode estar com outros nomes, como invertido, mascavo, orgânico, demerara. Além disso, sua forma molecular composta por glicose e frutose aparece em outros componentes, como o xarope de glicose, o xarope de milho, a maltodextrina, a dextrina e o mel”, diz Patrícia.

Ela destaca ainda que se o açúcar aparece em primeiro lugar na lista, o produto certamente conterá porções elevadas desse composto. Explica-se: a ordem em que os ingredientes são apresentados obedece ao seu peso no alimento.

As gorduras trans e a interesterificada – mistura de gordura hidrogenada e óleos vegetais – também são ingredientes que costumam ser camuflados. Isso porque a legislação brasileira abre essa brecha.

No caso da trans, encontrada em gorduras hidrogenadas, em frituras e em alimentos de origem animal, se o produto tiver até 0,2 grama, pode ser declarado como isento. Logo, se o consumidor consumir mais que uma única porção ou mesmo consumir outros produtos declarados como isentos, pode passar da quantidade de 2 gramas diárias permitida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (órgão regulador de medicamentos e alimentos) deu prazo até 2018 para retirar essa gordura dos alimentos. A Europa também trabalha nessa questão por causa da Síndrome Metabólica (conjunto de doenças que aumenta o risco de problemas cardiovasculares), da diabetes e da hipertensão.

A gordura na forma interesterificada não é declarada apesar de trazer enormes prejuízos, como diminuição do HDL (o “colesterol bom”, que retira gordura dos vasos e artérias) e aumento do LDL (o “colesterol ruim”, que deposita gordura nos vasos e artérias).

Outro ponto de observação é que o sódio declarado no rótulo é apenas o presente nos alimentos. O que está embutido em aditivos como corantes, por exemplo, não é discriminado no rótulo.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que adultos consumam até 5 gramas por dia de sal e de cerca de 50 gramas por dia no caso dos açúcares. No entanto, um estudo do Ministério da Saúde mostra que 70% dos brasileiros estão extrapolando esses limites e consomem ao redor de 12 gramas de sal, mais do que o dobro do recomendado.

Patrícia ainda destaca que os alimentos processados receberam sal e açúcar para durar mais. Os ultraprocessados – como refeições prontas, feitas com extratos dos produtos naturais – são abundantes em conservantes.

O que é importante observar na hora de comprar um produto?

– Veja a proporção de nutrientes nos ingredientes, como farinha integral, açúcar e sódio, principalmente em dietas que têm restrição destes alimentos ou nutriente;

– Evite alimentos com corantes artificiais ou muitos aditivos;

– Atente a alimentos light: há uma redução de no mínimo 25% em alguns dos seus ingredientes –gordura, açúcar ou calorias –, mas preste atenção, pois ao reduzir a gordura, por exemplo, pode-se aumentar a quantidade de carboidratos;

– Avalie alimentos diet: destinados para uma população com controle específico de algum alimento ou nutriente, como açúcar, mas que podem ter alto teor de gordura ou outro tipo de carboidrato;

– Pacientes com pressão alta devem observar outros ingredientes que contêm sódio, como ciclamato de sódio, bicarbonato de sódio.

– Pessoas em situações de restrição de glúten, lactose ou alérgenos, como castanhas, devem observar se há informação adicional deles da composição do produto.

Fonte: Nutripon Clínica e Consultoria

O que você tem que saber para comprar sem erro

  • Lista de ingredientes

Devem constar em ordem decrescente, conforme a proporção no produto.

  • Aditivos

Estão listados logo após os ingredientes. São substâncias adicionadas aos alimentos com o propósito de manter ou modificar o seu sabor ou de melhorar a sua aparência.

  • Origem do produto

Deve especificar o fabricante e o local de produção.

  • Prazo de validade.

Deve ter dia, mês e ano.

  • Conteúdo líquido

É expresso em unidades como gramas e mililitros.

  • Lote

Deve estar impresso para que o produto seja rastreado e analisado rapidamente em caso de problema.

  • Informações nutricionais:

Elas devem trazer:

a) Porção do alimento: quantidade que deve ser ingerida, considerando uma dieta saudável. Refere-se à porção indicada na embalagem, não ao peso total do produto.

b) % VD: Percentual de valores diários, indicando o quanto o produto apresenta de energia e nutrientes em uma dieta de 2.000 calorias. As calorias, os carboidratos, as proteínas, as gorduras totais e saturadas, a fibra alimentar e o sódio devem ser obrigatoriamente declarados, exceto quando o produto não tiver algum desses nutrientes. Informações complementares como colesterol, cálcio e ferro, além de vitaminas e outros minerais são opcionais.

  • Instruções sobre o modo apropriado

A embalagem deve trazer como fazer reconstituição, descongelamento ou outro tratamento adequado para consumo do produto.

Políticas públicas têm de levar em conta diferentes modos de envelhecer

O interesse sobre longevidade veio com o processo de envelhecimento dos meus pais, fonte inesgotável de pautas. Muito do que escrevo é por causa deles. E sempre fui crítica em relação ao modo como eles enfrentavam as dificuldades de envelhecer. Nesse processo, muitos preconceitos sobre como o velho tem de se comportar diante da velhice caíram por terra.

Nunca se tratou de preconceito no sentido conservador da coisa, mas de cultivar autoestima e de ter coragem para se transformar diante das mudanças inevitáveis. Acontece que duas leituras desta semana me fizeram refletir sobre como é complicado lidar com a diversidade na velhice. E como é difícil manter a liberdade de se envelhecer como se bem entender, pois nem todo mundo envelhece da mesma maneira.

Entre as inúmeras notícias que têm sido divulgadas sobre a Economia Prateada – aquela movimentada pelos grisalhos –, a mídia dá ênfase aos idosos ativos e com autonomia.  Mas embora estejamos vivendo mais, isso não significa que seja com saúde e qualidade de vida.

É o que mostra pesquisa da Organização Pan-Americana de Saúde, realizada desde 2000: a Sabe (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento). A ideia é avaliar como os idosos estão lidando com os desafios da idade em sete centros urbanos, entre os quais Bridgetown (Barbados); Buenos Aires (Argentina); São Paulo (Brasil); Santiago (Chile); Havana (Cuba); Cidade do México (México) e Montevidéu (Uruguai).

O resultado no País reforça a necessidade de uma agenda nacional de saúde pública voltada para o envelhecimento, conforme defende a professora Yeda Aparecida de Oliveira Duarte, do Departamento de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da Sabe, na coluna de Mariza Tavares, para o G1.

As estatísticas foram apresentadas no XXI Congresso Brasileiro de Geriatria e  Gerontologia, realizado entre 6 e 8 de junho, no Rio de Janeiro. E mostram crescimento do número de idosos com doenças crônicas, assim como aumento do grupo daqueles que não conseguem desempenhar uma ou mais atividade física básica, como alimentar-se ou tomar banho.

Outra grande parcela não consegue realizar ações instrumentais como cozinhar,  usar transporte público ou privado, cuidar de animais de estimação e das próprias finanças.

O que esse estudo desenha é que nem todos envelhecem da mesma maneira. A longevidade não é homogênea. As necessidades vão além do direito à saúde e envolvem a educação de cuidadores e familiares para lidar com isso.

“Não estamos envelhecendo, mas rejuvenescendo”,  contrapõe a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas (IPEA), Ana Amélia Camarano, especialista em envelhecimento populacional, em entrevista para a Folha de S. Paulo.  Para ela,  o conceito de idoso ficou velho.

Sob esse ângulo, os 60+ de hoje não são idosos como os de antigamente. E, mesmo com as rugas e os joelhos doloridos, continuam a ser na velhice quem sempre foram no decorrer de suas vidas. Respeitar essa individualidade faz parte de uma cultura que ainda precisa ser construída.

Universo diverso em Gracie and Frankie

Para quem deseja entender um pouco melhor desse universo diverso, recomendo a série Gracie and Frankie, de Marta Kauffman (a mesma de Friends) e Howard J. Morris.  E fica aqui meu obrigada à Netflix, que detém os direitos autorais da imagem usada acima, pois se aventurar pela narrativa é  o mesmo que receber um abraço.

“Grace and Frankie exalta a fortaleza destas mulheres que encontraram o próprio conforto por meio da adversidade. O que de fora soa como teimosia para elas é na verdade um ato de resistência, no melhor sentido da palavra”, avalia o AdoroCinema.

A trama gira em torno da questão do envelhecimento,  de forma dramática mas com muito humor. Tudo começa quando Grace (Jane Fonda) e Frankie (Lily Tomlin) se veem obrigadas a dividir moradia após seus respectivos maridos Robert (Martin Sheen) e Sol (Sam Waterston) se declararem gays e amantes há 20 anos.

Diga-se de passagem, que todos estão na faixa dos 70, mas as mulheres – sempre tidas como seres mais frágeis – protagonizam a trama. Sem dar spoiler e ainda entretida com a terceira temporada – a estreia da quinta está prevista para 2019 – gostaria apenas de destacar o quão didática ela pode ser para lidarmos com o ageismo.

Muito além da reforma da Previdência

No trato com o envelhecimento, uma questão fundamental, de acordo com a especialista do IPEA, é pensar na velhice desde já e garantir que os idosos do futuro, os novos idosos, envelheçam bem até 2050, quando o número de 60+ mais deve triplicar. Algo só possível com políticas públicas na área de educação, trabalho e renda, além de saúde.

Por isso, conhecer o universo tão bem retratado em Gracie and Frankie pode ajudar a refletir sobre as diferenças na hora de elaborar um projeto para o futuro, que não é linear. Quem me garante que em vez do cartão de estacionamento para idoso eu não vou precisar é de uma boa calçada para circular com uma possante cadeira de rodas?

Reflexões como essas precisam pautar o diálogo da sociedade agora para construção de um caminho que todos nós vamos inevitavelmente trilhar.  Não é o rótulo em relação a essa fase da vida que importa, mas como nos educamos em relação a esse processo para o amanhã, e de que maneira atuamos hoje. É isso que fará a diferença.

Então seja lá qual for o termo adotado – velhice, terceira idade, melhor idade, longevidade, maturidade –, o que importa é que somos seres únicos e precisamos batalhar pelo direito de envelhecer ao nosso modo.  Afinal, como diz a canção Noite Severina, lindamente interpretada por Ney Matogrosso, um ícone da longevidade e da diversidade: “Cada ser tem sonhos a sua maneira”.

Sem velhos tabus, sexualidade se aprimora na maturidade

O envelhecimento é um  processo indutivo de transformação individual nas esferas física, mental e social. Tais mudanças tendem a afetar a expressão da sexualidade e forma como lidamos com ela. A boa notícia é que pode ser para melhor, conforme declarou Jane Fonda, de 79 anos, na estreia do filme “Nossas Noites”, no festival de cinema de Veneza. “Quando se trata de amor e sexo, envelhecer é uma coisa boa”, disse a atriz, que queria que a cena picante com o par Robert Redford, de 81 anos, durasse mais.

O longa-metragem é uma adaptação do livro de Kent Haruf e conta a história de um casal de viúvos que faz um acordo para superar a solidão.

Quem me deu a dica cinematográfica foi a pedagoga N.S., de 64 anos, para quem diferentemente do conceito de sexo, puro e simples, a sexualidade engloba muito mais. “É libido, energia de vida, que leva a fantasiar, desejar, amar, expressar afeto, apaixonar-se, inclusive por nós mesmos.”

Tudo está, segundo ela, relacionada à autoestima. “É um círculo virtuoso: passei a me cuidar mais e a fazer mais sexo”, conta. “Quanto mais regular, melhor fica.”

O primeiro casamento aconteceu aos 21 anos, quando os filhos vieram, mas foi na segunda união, aos 45 anos que ela diz ter descoberto o amor e realizado a sexualidade plenamente. “O autoconhecimento te dá mais liberdade para aceitar o seu corpo e direcionar o parceiro, que precisa estar na mesma sintonia”, diz.

No caso do homem idoso, a ereção demora a estabelecer-se duas a três vezes mais. “Mas uma vez obtida conserva-se mais tempo sem necessidade de ejaculação. Importa salientar também que para cada década regista-se uma diminuição progressiva na resposta sexual. Contudo, nunca se verifica o seu completo desaparecimento”, segundo os relatórios Masters & Johnson, editados originalmente nos anos de 1966 (A Resposta Sexual Humana) e 1970 (A Inadequação Sexual Humana).

Os relatórios produzidos nos Estados Unidos tiveram repercussão mundial e foram elaborados a partir de uma minuciosa investigação científica das respostas fisiológicas e anatômicas da sexualidade masculina e feminina. Os autores, em decorrência, utilizaram esses conhecimentos para a formulação de técnicas e tratamento em terapia sexual utilizadas até hoje por profissionais da área clínica.

Menopausa pode ser aliada

Outro ponto abordado é a questão da reposição hormonal na menopausa. “É como um renascimento, pois minha libido voltou juntamente com a lubrificação”, explica. “Isso tem de deixar de ser um tabu para a mulher e para o homem, que precisa ser compreensivo e mais parceiro nessa fase da vida.”

A psicóloga Margherita Cassia Mizan, de 57 anos, concorda. Para ela, a menopausa foi um alívio.  “Veio como sinônimo de liberdade porque eu pude exercer minha sexualidade de forma plena sem me preocupar com gravidez, que era um temor para minha geração”, conta.

Atualmente no terceiro casamento, ela fez mestrado em Gerontologia e lida diariamente com situações que mostram que a erotização continua a existir, apesar da desqualificação do corpo da mulher que tende a se anular com o envelhecimento.

“Sexo faz parte da vida e é tão natural que chegamos ao ponto de vivenciar, principalmente entre mulheres, a homossexualidade em centros para idosos”, diz. “Não que elas sejam homossexuais, mas ficam no estado de homossexualidade pela falta de acesso ao sexo oposto.”

É justamente para quebrar estereótipos que a jornalista Denise Ribeiro, que não gosta de se mensurar pela idade, planeja criar uma comunidade – presencial e na internet – para discutir a sexualidade na maturidade.

Inicialmente batizado KD VC, o site lançado durante a Virada da Maturidade, cujo tema da última edição foi qualidade de vida. “A prática sexual é um dos indicadores de qualidade de vida e a gente tem como proposta discutir alguns temas tabus para a maioria da população como masturbação, ejaculação precoce e relação virtual”, diz.

Questão cultural

Com três filhos e dois netos, adepta do poliamor, Denise acredita que o problema vai além da idade. “É cultural e precisa ser desnudado”, afirma. “Estou separa há 16 anos e minha vida sexual é muito mais ativa agora, com o marido alheio”, brinca.

Para ela, o que mudou é que conseguiu enxergar que não existe um grande amor, mas sim grandes amores. “Precisamos reconstruir os códigos morais e os modelos com essa nova geração madura.”

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Depressão é principal causa de suicídio entre idosos

Suicídios de celebridades americanas Kate Spade e Anthony Bourdain alertam para casos crescentes entre os mais velhos.

Acabei de ver a segunda temporada da série 13 Reasons Why, na tradução livre Os 13 porquês, baseada no livro homônimo de Jay Asher. Ela trata de um tema recorrente no Ensino Médio que é o bulling, a angústia existencial e o suicídio. Os casos de suicídios cometidos entre jovens crescem e soam um alarme. Trata-se da quarta causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos.  Embora estejamos lidando com seres humanos e não com estatísticas, o que me chamou atenção é que os indicadores são muito maiores entre idosos.

Trata-se de um quadro resultante de várias causas – e até coincidentes com as dos jovens – como a depressão não diagnosticada, não tratada e inadequadamente conduzida, de acordo com o geriatra Ulisses Cunha. “São justamente os mais velhos que mais chegam às vias de fato, tirando a própria vida”, diz.

Dados do Relatório Global para Prevenção do Suicídio da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que as taxas mais altas de suicídio estão entre as pessoas acima dos 65-70 anos de idade, sendo 80% homens.  Em segundo lugar estão os adultos com idades entre os 30 a 49 anos.

Esses indicadores alertam para a necessidade urgente de se tomar medidas práticas para atender estes idosos antes que eles se sintam tão pressionados, infelizes, solitários e depressivos que decidam tirar a própria vida. “Algo em torno de 70% dos casos de suicídio nesta fase da vida podem ser atribuídos à depressão”, avalia Cunha.

Vide o caso do chef e apresentador Anthony Bourdain, de 61 anos, dependente químico, que sofria de depressão. A segunda celebridade numa semana a cometer suicídio por enforcamento.

Poucos dias antes, a estilista Kade Spade, de 55 anos, sucumbiu porque recusou tratamento para depressão por medo de afetar a imagem de sua marca, associada à alegria e ao entusiasmo.  Segundo a irmã mais velha conta, ela se automedicava com álcool.

Abuso de drogas como álcool, psicoses e demências também são apontadas como causas. Existem ainda os suicidas passivo-crônicos, que são aqueles que cometem um suicídio lento, não manifestado, como recusar alimentação, se negar a seguir prescrições médicas e deixam de tomar os remédios.

Ciente desse cenário, o Ministério da Saúde lançou ano passado, durante o setembro amarelo, o primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil. O estudo mais recente confirma a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos por aqui.

Nessa faixa etária, foram registradas média de 8,9 mortes por 100 mil nos últimos seis anos. A média nacional é 5,5 por 100 mil. Também chamam atenção o alto índice entre jovens, principalmente homens, e indígenas. O diagnóstico inédito pretende orientar a expansão e qualificação da assistência em saúde mental no país.

Com base nesses dados foi elaborada uma agenda estratégica para atingir meta da OMS de redução de 10% dos óbitos por suicídio até 2020. Entre as ações, destacam-se a capacitação de profissionais, orientação para a população e jornalistas, a expansão da rede de assistência em saúde mental nas áreas de maior risco e o monitoramento anual dos casos no país e a criação de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.

Desde 2011, a notificação de tentativas e óbitos é obrigatória no país em até 24h. “A notificação de casos é muito importante para que consigamos visualizar onde se encontram as regiões com maiores indicadores e reunir esforços para diminuir as taxas de suicídio. Já trabalhamos com ações de prevenção nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que, em breve, devem chegar às áreas de maior incidência”, diz Maria de Fátima Marinho, do Departamento de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis do Ministério da Saúde.

A ideia é reforçar nossa rede de atenção psicossocial junto aos gestores locais, visando fortalecer e ampliar a assistência a todos os indivíduos que necessitam de atenção e cuidado neste momento, segundo o secretário de Vigilância em Saúde, Adeilson Cavalcante.

Assistência é o melhor remédio

Os serviços de assistência psicossocial tem papel fundamental na prevenção do suicídio. O Boletim apontou que nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), uma iniciativa do SUS, o risco de suicídio reduz em até 14%. Existem no país, 2.463 CAPS e, no último ano, foram habilitadas 146 unidades, com custeio anual de R$ 69,5 milhões do Ministério da Saúde. Por isso, a agenda estratégia prevê a expansão dessas unidades nas regiões de maior risco.

Outro ponto para ampliar o atendimento é a parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV).  Desde o ano passado, o Ministério da Saúde tornou gratuita a ligação para a instituição que faz o apoio emocional por para prevenção de suicídios. Além disso, a entidade também presta assistência pessoalmente, via e-mail ou chat.

Também está prevista a divulgação de materiais de orientação para ampliar a comunicação social e qualificar a informação aos jornalistas, profissionais de saúde e a população.  Todos os documentos estão disponíveis para download no Portal da Saúde. 

Brasil lidera ranking de depressão

A depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo, segundo dados divulgados pela OMS referentes a 2015. Em 10 anos, de 2005 a 2015, esse número cresceu 18,4%. A prevalência do transtorno na população mundial é de 4,4%. No Brasil, 5,8% da população sofre com esse problema, que afeta um total de 11,5 milhões de brasileiros.

Ainda segundo os dados da OMS, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo com maior prevalência nas Américas, ficando atrás somente dos Estados Unidos, que têm 5,9% de depressivos.

Nos acostumamos a representar os papéis distribuídos pela sociedade, que impõe ao jovem ser alegre, ativo e sorridente. Do idoso, espera-se o recolhimento, a melancolia e a tristeza. É esse estereótipo dificulta a identificação de um problema que tende a se intensificar ainda mais com o aumento da longevidade: a depressão.

Além da associação que se costuma fazer entre velhice e desânimo, um dos sinais mais clássicos da doença nem sempre está presente na terceira idade. “A depressão no idoso pode, às vezes, ser subdiagnosticada porque a tristeza não é seu principal sintoma”, explica a epidemiologista Gabriela Arantes Wagner, professora-assistente do Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

“Além disso, os idosos, muitas vezes, não estão dispostos a falar sobre seus sentimentos, o que prejudica o diagnóstico. Por essa razão, a abordagem de um profissional especialista e experiente com essa população é tão importante”, destaca a médica, autora do artigo “Tratamento da depressão no idoso além do cloridrato de fluoxetina”, publicado na Revista Saúde Pública.

Com informações do Portal da Saúde.