Já não se morre de velhice

O fotógrafo suíço René Robert morreu aos 84 anos de hipotermia após desmaiar em uma rua de Paris e ficar sem ajuda por nove horas. Ele passou mal, caiu e foi ignorado pela multidão. Privado do direito a envelhecer no Brasil, o congolês Moise Mugenyi Kabagambe foi espancado brutalmente até a morte na frente de diversas pessoas sem que ninguém lhe prestasse socorro.

Cecília Meireles escreveu “já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.”

Poderíamos aqui citar incontáveis atrocidades praticadas frente a uma sociedade indiferente. A indiferença é um sentimento associado à insensibilidade e à frieza. O indivíduo indiferente não se importa com o outro, com o sentimento alheio. Nada lhe importa.

É um comportamento que passa uma mensagem dolorosa: “dane-se o outro”. Esta apatia incompreensível causa angústia e temor. Passamos a elaborar razões para explicar a insensibilidade do outro, mas nem sempre conseguimos encontrar uma explicação boa o suficiente. E a indiferença está presente em várias atitudes do nosso dia a dia. Principalmente no trato com os mais velhos, os vulneráveis, os diferentes de nós.

No estudo “Indiferença: um estudo psicanalítico”, tese de mestrado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a autora Daniela Ferraz destaca a indiferença como modalidade de sofrimento de nossa época, apontando os caminhos pelos quais ela se apresenta na sociedade atual.

Ela defende que a indiferença é parte da nossa cultura. É uma atitude em relação a algo, uma possibilidade de desafetação frente ao sofrimento.

No campo político, o narcisismo generalizado, produto do neoliberalismo, é destacado como um dos responsáveis pela indiferença na sociedade atual, porque implica em uma lógica de exclusão da diferença.  Além disso, há a indiferença depressiva, situada no campo da análise clínica. Ela se relaciona ao fracasso do ideal de felicidade da sociedade atual, sendo combatida pelos indivíduos com remédios e terapias.

Considerando tais perspectivas do estudo, o desafio então é romper essa indiferença. Esse despertar consiste em não nos isolarmos e insistirmos por uma abertura à diversidade. Não podemos ignorar, – ser indiferentes à indiferença -, independentemente das causas que nos levam a agir deste modo.

Como seres humanos que convivem em sociedade, a interação, o sentir, o rir, chorar, conversar, se importar, sonhar, fracassar, cair, levantar e sacodir a poeira – como cantou brilhantemente a saudosa Elza Soares – fazem parte da jornada. O processo de bem envelhecer passa pela experiência completa. É isso que torna a vida emocionante. Ou ao menos deveria.

Confronto com novos desafios ajuda a manter a saúde do cérebro

Durante os Jogos Olímpicos em Tóquio, no Japão, o caso da ginasta norte-americana, Simone Biles, que desistiu de competir por causa de um desiquilíbrio emocional causou polêmica e chamou atenção para o que já é considerada a próxima pandemia: os transtornos mentais. Há um certo preconceito quando o assunto são doenças neurodegenerativas e psicológicas, mas a saúde da mente é questão de política pública. Hoje, a maior parte das pessoas sofre de algum transtorno desse tipo. E, com o aumento da população idosa, o quadro de incidência de demências deve se agravar. A boa notícia é que dá para prevenir.

Dados de estudos epidemiológicos realizados em seis países da América Latina, incluindo o Brasil, demonstram os casos de demências atingem mais de 7% dos idosos. É uma taxa considerada alta por pesquisadores e especialistas. No entanto, segue tendência mundial; nos países europeus, fica entre 5% e 10%. O que chama a atenção é que o percentual cresce muito à medida que sobem as faixas de idade na velhice. Ou seja, o índice de demência, que é de 2,9% em pessoas de 65 a 69 anos, pula para 33% a partir dos 90 anos, quando um em cada três pode desenvolver doenças neurológicas.

Mas que medidas podemos tomar para proteger nosso cérebro já que se tratam de deficiências muitas vezes invisíveis?

Fatores de risco são diversos

Para se ter uma ideia, a Síndrome de Burnout atinge cerca de 32% dos trabalhadores brasileiros, o equivalente a 33 milhões de pessoas, segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisou o impacto da pandemia e do isolamento social na saúde mental de profissionais essenciais. O que tem levado a outro problema que é o abuso de bebidas alcoólicas.

Outro dado alarmante vem da Organização Mundial da Saúde, que dá conta de mais de 11 milhões de pessoas no Brasil com depressão. Estima, ainda, que até 2030, essa será a doença mais comum no País.

Todos são fatores considerados de risco para a incidência de doenças como o Alzheimer. Estudos mostram que figuram com destaque – isolados ou combinados: a diabetes, a hipertensão e a obesidade na meia idade, o sedentarismo, a depressão, o tabagismo e o baixo nível educacional.  Vale aqui destacar que o Alzheimer é apenas um dos diversos tipos de demência. Há ainda a vascular, a de Parkinson, a senil, a frontotemporal, a de Pick, a com corpos de Lewy, e, por último, mas não menos grave, por álcool.

As freiras de Notre Dame

Então, é claro que tudo isso conta no prontuário de cada um, mas o melhor indício de como proteger nosso cérebro vem de uma pesquisa histórica, realizado por David Snowdon, professor de neurologia na Universidade de Kentucky. Conhecido como Estudos da Freiras de Notre Dame, foi realizado em 1986 com quase 700 irmãs que doaram seus corpos à Ciência.

O que fez este grupo de participantes da pesquisa tão especial foi a semelhança particular com a qual todas tinham levado suas vidas – nenhuma delas fumava, nenhuma bebeu excessivamente, nenhuma teve parceiros e todas tiveram uma rotina significativa. No mundo da ciência, para se ter tantos participantes com aproximadamente as mesmas variáveis de controle é uma verdadeira dádiva de Deus, e quase impossível de replicar.

A lição mais surpreendente do estudo é que as freiras que usaram seus cérebros várias vezes por dia para ler, escrever, pensar e analisar – eram menos prováveis a sucumbir à doença de Alzheimer. A conclusão que se tira é que as pessoas que se estimulam intelectualmente e buscam aprendizado constante terão uma melhor chance de afastar a demência.

Então, o que você está esperando para começar a exercitar sua mente?

Não pense que vai demorar para sentir os primeiros impactos. A partir dos 35 anos, nossa velocidade de processamento diminui, então algumas pessoas podem perceber já por volta dessa idade os primeiros sinais de esquecimento ou demora para se lembrar de alguma informação

É por isso que não se pode deixar a mente de fora da rotina de exercícios. Vale palavras cruzadas, sudoku, xadrez e outros jogos que provoquem o intelecto, incluindo o videogame. Mas se você já está habituado a alguma dessas atividades, busque outras.

Aquele friozinho na barriga

Preservamos o cérebro por mais tempo quando somos confrontados constantemente com novos desafios. Sabe aquele friozinho no estômago associado ao medo do novo, ao que é inerente a novas possibilidades? É disso que se trata!

Aprender sempre. Eis a melhor fórmula para reverter a perda cognitiva. Isso vai garantir agilidade na adaptação não só a essas alterações provocadas pelo envelhecimento, mas também pelas mudanças de um planeta em constante transformação. Afinal, todos os dias somos atropelados pelas notícias sobre o futuro na era da revolução tecnológica e, por isso mesmo, é melhor que a nossa mente esteja apta e bem aberta para enfrentar esse novo mundo.

É questão de sobrevivência, mas é também questão de sanidade mental.

Leia também: Depressão é a principal causa de suicídio entre idosos

 

 

Efeitos colaterais, do modo off, em 2021

A avalanche de dados e informações que nos soterram todos os dias tem tornado mais frequente a necessidade de pausas. A tecnologia nos deu mais tempo, inclusive de existência, mas será que esse tempo a mais tem sido aproveitado para melhorar nossa qualidade de vida? É notável ao redor, que as pessoas estão sendo cada vez mais vítimas de crises de ansiedade e de uma busca infinita por produtividade. Óbvio que não existe qualidade de vida sem dinheiro, mas será que não dá mesmo para viver com menos?

Neste 2021 que começa todo torto me obriguei – pelos limites do próprio corpo – a me desconectar e entendi que nada foi aprendido ou compreendido com a pausa imposta pela tal da pandemia. O mesmo pode ocorrer com o envelhecimento.

Tem gente que não aprende nada. E não adianta querer ser reflexo do que se vê desse movimento todo que aflora na internet. Garotos-propaganda existem desde que o mundo é mundo. Só ganharam um nome pomposo agora: influencers. Isso não muda nada. Mais do que ser reflexo é preciso reflexão. E isso requer pausa.

Por isso, minha promessa de ano novo é gastar meu tempo mais devagar. Menos rede social e mais social na rede. De balanço. De preferência com um bom livro desses que não seja de autoajuda, mas que tanto me ajudaram nos meus dias off, como as batalhas quixotescas; a distopia da República de Gilead, o realismo fantástico de Macondo.

Foi nessa cadência de pensamento que veio à mente dois casos reais, de conhecidos, que devem se tornar objetos de estudos, e que me inspiraram a trazer à tona algo que pouco vejo. Não que não admire a revolução prateada e todo o ativismo que a longevidade e os maduros promovem principalmente online por conta da pandemia.

Mas é preciso banir estereótipos e ter em mente que nem todo velhinho é legal. Nem sempre a velhice será uma coisa bacana, bela e produtiva. Trata-se aqui de entender que é um processo construtivo.

Que em 2021 todo ativista do envelhecimento se lembre também das famílias que se desestruturam e precisam de apoio diante de idosos que perpetuam o mal que carregam dentro de si. Não é porque a idade chega que a pessoa de repente fica boa.

Não acredito em redenção só pelo correr dos anos.

E quando é a família a agredida? Apesar de ser muito gratificante oferecer cuidados, essa entrega também tem efeitos negativos. Que ações podem amenizar o estresse e consequente problemas de saúde, isolamento, cansaço e frustração que levam a uma sensação de desesperança e exaustação, impelindo ao desgaste de quem cuida e chegando até aos maus tratos da pessoa idosa?

Então, a longevidade é um processo que requer cuidado desde sempre?  Exato. E a gente que se cuide para não se tornar um daqueles velhos gagás e ranzinzas, e não transformar a vida da família num inferno. Basta parar de olhar um pouco para fora e para os outros e olhar para dentro de si para perceber que nem cem anos podem mudar certas coisas.

Eu andei meio perdida, confesso, com tanta tarefa, sem saber quais eram minhas prioridades, mas de uma coisa eu tive certeza durante meu modo off. Eu não quero ser uma velha desqualificada em prol do domínio da velocidade e das redes sociais. Nem tampouco apegada a quinquilharias sem valor. O desapego começa agora.

Outra coisa. Gente ruim existe. Jovem ou velha. E gente imbecil e fútil também. A internet está aí de prova, escancarou essa ferida, e não me deixa mentir.

 

 

 

 

O mundo envelhece. Precisamos rejuvenescer conceitos.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural

Mara Lúcia Madureira*

A humanidade está envelhecendo. O número de pessoas com 60 anos, ou mais, é crescente no mundo todo. No Brasil, o estigma sobre o envelhecimento, ainda, existe e reflete uma noção equivocada, associada a incapacidades física e cognitiva, improdutividade, doenças, ausência de papéis sociais e interesse sexual, solidão e dependência.

O conceito de velhice é um constructo social, temporal e contraditório. Nas sociedades ocidentais, a supervalorização do novo, produtivo e independente, em detrimento do velho, ultrapassado e fora de moda, é parte das estratégias de consumo. A mesma cultura que preconiza a longevidade e tecnologias para prevenir doenças, nega, ao idoso, seu real valor. O paradoxo é viver mais, sem envelhecer ou parecer velho.

Os estereótipos da velhice são piores do que a realidade. O preconceito é reforçado pelos próprios idosos que não se reconhecem ou se admitem velhos. Envelhecer é uma experiência exclusiva. O modo de vida implica, positiva ou negativamente, na velhice.

O uso de expressões como “melhor idade” e “terceira idade”, mascara o preconceito e nega a realidade. Envelhecer é aceitar-se e orgulhar-se dos muitos anos vividos, das conquistas e realizações.

A velhice pode e deve ser agradável e desejável.

A maioria dos idosos é saudável e independente. Doenças crônicas, na velhice, iniciam e se desenvolvem bem antes dessa fase. Alterações hormonais e mudanças no organismo são comuns, mas não significam perda do interesse ou impossibilidade de uma vida sexual ativa e gratificante.

Problemas de memória podem ser evitados com práticas contínuas de leitura, atividades intelectuais e novos aprendizados. Os vínculos de amizade são fundamentais na velhice. Um bom planejamento financeiro, na juventude, representa uma aposentadoria confortável. A saúde e o bem-estar, na velhice, dependem do modo como se vive e se administra as fases anteriores.

Envelhecer é um processo complexo de realidades próprias, não generalizáveis. Envolve aspectos biológicos, cronológicos, psicológicos, sociais e culturais. Não significa limitação ou incapacidade. Doença não é normal. Pessoas idosas saudáveis são funcionais e produtivas. O declínio cognitivo não se deve à velhice, mas, ao desuso, a doenças como depressão, abuso de álcool, medicamentos e outras drogas, à solidão e ao isolamento. Envelhecer contempla os anos vividos, a história pessoal, as condições físicas e psicossociais. Marcadores cronológicos e biológicos são relativos e subjetivos. Não há perdas na velhice, mas transformações, aquisição de saberes, evolução.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural. A sociedade deve respeito e valorização ao idoso. Experiências e conhecimentos acumulados podem beneficiar aos próprios indivíduos e à sociedade. Não importa a idade, mas o que o indivíduo faz com sua existência e o como a sociedade o trata. A velhice deve ser reconhecida pelos ganhos e transformações.

*Mara Lúcia Madureira é psicóloga cognitivo-comportamental e colabora com o Casa de Mãe.