Tempo de (se) cuidar

Depois da Medeiros, descobri outra Marta que não sai do meu lado antes do sono chegar, entre os livros de cabeceira. Essa, de sobrenome Pessoa, é autora de “É Tempo de Cuidar – Eles Envelhecem: E Agora?”.

Buscando um texto que havia escrito para o Instituto da Longevidade sobre como algumas mulheres deram a volta por cima na idade e retornaram para a universidade após os 60, construindo não apenas uma nova carreira, mas uma nova vida, acabei encontrando a entrevista dela ao portal. Leia aqui

Ela conta a experiência com os pais idosos e como deixou de ser filha única para se tornar cuidadora única. Mas a solução encontrada nessa dinâmica foi abrir mão da carreira e gerenciar tudo a distância. Também tenho trocado muita figurinha com minha amiga e sócia Juliana Junqueira, que administra de São Paulo os pais em Guaratinguetá. Mas as idas e vindas da Ju nesse processo são constantes.

Organizar e reorganizar

No meu caso, eu precisei voltar a dividir o mesmo teto e a convivência não tem sido das melhores. Nem um de nós é fácil, claro. Cada um com suas particularidades. Talvez depois de organizar melhor a vida deles eu saia para reorganizar a minha, que virou de ponta cabeça.

Entrei em contato com a Marta pelo Facebook. Ela prontamente me aceitou e já trocamos algumas mensagens! Depois conto tudo aqui.

Do meu lado, o que tem sido mais difícil é estabelecer um diálogo com a minha mãe, que só sabe dizer que eu quero matá-la. Antes porque eu pegava no pé pela alimentação. Então o cardiologista alertou que o peso poderia, de fato, matá-la. Acabou chorarê.

Agora, o enredo da novela é a organização da casa nova. Eu quero me desfazer de toda quinquilharia acumulada em mais de 40 anos e todo dia é uma guerra. É tanta coisa inútil! E quase tudo desnecessário para duas pessoas que sequer tem dado conta de cuidar da própria saúde.

Paciência como aliada

Eu tenho consciência de que é preciso paciência. Muita. Mais talvez do que seja capaz de ter em toda a minha existência terrena. Tem me feito um mal tamanho essa situação. Talvez seja hora de retornar a terapia para melhor entender porque minha mãe é tão dramática e aceitar que ela vai reclamar para sempre e de tudo. Também para estar apta para o que vem pela frente. A tendência é só piorar, eu acho.

Não há um dia em que ela não lembre o quanto sofre desde que nasceu, porque a mãe, minha avó, morreu cedo e ela foi criada por uma madrasta terrível. Há aí certo trauma que carrega e desconta em nós, aqueles que a cercam. É claro que ela sofre e tem dores terríveis e constantes, mas não procura fazer para mudar seus hábitos e se ajudar.

Hora de mudar

De outro lado, entrevistei mulheres como Elice Dias Oliveira, de 66 anos, que voltou à rotina escolar e me mostrou que depende muito da força de vontade própria mudar o comportamento. “Resolvi fazer minha parte para enfrentar a maturidade em vez de ficar reclamando de dor na coluna”, contou.

Professora formada pelo extinto Curso Normal, ela lecionou durante 36 anos e, quando se aposentou, fez uma pós em pedagogia hospitalar, mas descobriu durante o estágio que não era sua praia.

Ponto positivo

Se escolher um curso superior ainda na adolescência é algo difícil, o que dizer de fazer faculdade depois dos 50 anos? Disciplina e força de vontade são requisitos fundamentais e a maturidade pode ser o ponto mais positivo de quem escolhe correr atrás desse e de outros sonhos, segundo Elice.

“Após participar de várias oficinas mais curtas, decidi ir além. Artes e esportes não me interessavam mais e optei pela seleção para gerontologia, que envolve muitas disciplinas de psicologia, um antigo desejo.”

Hoje cursando o primeiro ano no campus da USP Leste, ela avalia que embora gaste quase 6 horas no transporte público, a troca com a “moçada” compensa. “Tempo não me falta.”

Motivo para ação

Para a ex-executiva Patricia Martins de Andrade, 53 anos, a volta à universidade veio inicialmente como uma busca pela troca de carreira. Aos 46 anos e prestes a se aposentar, ela começou a amadurecer a ideia de cursar direito e prestar concurso para o Judiciário.

Formada em administração pela USP, ela decidiu buscar numa universidade privada a oportunidade. “A necessidade de dedicação é imensa e demanda uma disposição e tanto.”

Passaporte para novas conquistas

Hoje formada e com o crivo da Ordem dos Advogados do Brasil, ela revela seus outros planos. “As descobertas no meio do caminho me levaram a ter um novo propósito”, explica Patrícia, que está de partida para Portugal, onde obteve visto destinado para aposentados ou titulares de rendimentos próprios. “Pretendo morar e atuar como mediadora no ramo de conciliação privada.”

Na avaliação dela, fazer faculdade depois dos 50 anos não é para qualquer um. “É preciso ter um motivo para a ação, a tal motivação.” Assim, uma nova graduação ou qualquer outro curso só se justificaria dentro de um contexto maior. “É preciso ter alinhamento ao que você gosta.”

A difícil arte de esvaziar malas velhas

O envelhecimento é condição subjetiva e heterogênea, e pode variar de indivíduo para indivíduo. Abordar o tema é abrir um leque de interpretações que se entrelaçam ao cotidiano e a perspectivas culturais diferentes.

Em muitos casos, junto ao processo de envelhecimento, o indivíduo vivencia outras situações, as quais estão relacionadas à própria personalidade. Um dos mais conflitos que tenho enfrentado nesse retorno ao lar dos meus pais é o apego excessivo a pertences que já não tem mais utilidade.

Minha mãe chega a chorar por conta de um monte de panela velha e encardida. Não sei como convencê-la, sem sofrimento, de que aquilo ali não vale nada. E fico com aquela dúvida: até que ponto acumular objetos deixa de ser uma forma de guardar lembranças para se tornar uma doença?

Quem responde é psicóloga Renata Bueno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC): “É natural que o idoso guarde coisas que funcionem como recordações, que o ajudem a contar a história de sua vida.”

De olho no bem-estar

Ela explica que desde que não interfira no seu bem-estar isso não pode ser tratado como patologia porque é uma maneira de preservar sua memória. “Tem mais a ver com a personalidade de cada indivíduo e isso deve ser respeitado”, diz.

De acordo com ela, a Síndrome de Diógenes só pode ser diagnosticada quando as pessoas acumulam objetos, lixo e até animais em suas casas a ponto de perderem espaço necessário para a higiene própria, dormir ou se alimentar. “No caso de acumulação compulsiva, há isolamento social, diminuição da mobilidade e interferência nas atividades da vida diária, como tomar banho, dormir, comer e limpar”, afirma.

Ajuda de psicólogo

A personal organizer Luara Faria é especialista em organização de residências e conta que, não raro, é preciso atuar acompanhada de psicólogo para conseguir realizar o trabalho. “Os idosos tendem a ser mais metódicos e têm dificuldades em descartar coisas”, avalia.

Mas ela desenvolveu técnicas para atender esse público e dá dicas de como organizar melhor o ambiente.  O primeiro passo é fazer um inventário de tudo que há na casa. Ao catalogar as coisas fica mais fácil demonstrar o que é realmente descartável..

Depois, recomenda uma categorização ou setorização. Ao agrupar as coisas num mesmo setor, o acesso fica facilitado. “No caso de fotografias, por exemplo, separo tudo em álbuns por datas”, explica.

Acessibilidade evita acidentes

Ela destaca que é essencial poder mexer no que se tem e saber onde está. “Tudo tem de estar acessível para evitar acidentes”, diz, reforçando que embora seja o terceiro passo esse talvez seja o mais importante.

Outra dica é organizar os remédios de acordo com os horários e por tipo de necessidade. “É preciso dar autonomia para a pessoa, por isso também é recomendável deixar bilhetes e telefones de urgência sempre à vista.”

Texto originalmente publicado no portal do Instituto da Longevidade Mongeral Aegon.