Sem vacina, é preciso seguir com pequenas doses de liberdade

Hoje dei o primeiro passo rumo a minha desquarentenização. Só por hoje não acordei pensando no noticiário dessa gaiola chamada Brasil. Venci o desânimo, o medo, não pensei nas críticas e sai para correr. Tênis no pé e na fuça minha super máscara que vem com sete filtros. Comigo só a minha cãopanheira Frida. Foi importante para organizar as ideias.

Neste momento, tomar as rédeas das emoções e aprender a (se) flexibilizar é fundamental. A vida continua e é preciso retomar os projetos, os sonhos e mais do que nunca usar a tal capacidade de nos reinventar.

Só percebi que havia me perdido no caos do isolamento quando mesmo com todo o suposto tempo da quarentena em casa vi que minha última atualização do blog era do final de abril. Dias iguais, confinamento, mercado, farmácia, e uma vida de avatar na internet…

Menos afazeres, mais cansaço.

Com o tempo correndo nessa toada lenta, imperceptível, talvez tenha me quarentenizado um pouco além da conta.

Não que tratar da longevidade no Casa de Mãe não fosse importante. Mas já havia muita coisa bacana dentro da temática sendo produzida. Então eu (tentei) focar em mim mesma e nos estudos da Gerontologia para apresentar uma boa proposta de projeto de intervenção na conclusão do curso, que acaba já neste semestre. E só isso já foi muito difícil.

Sem grandes inspirações para trazer algo realmente útil para cá, feito com cuidado, acabei por me abster. Também tem certo desassossego que me impede, como antes, de realizar várias atividades ao mesmo tempo.

É no meio desse turbilhão de sentimentos que certas precauções em excesso começam a virar fobias e a impedir a nossa volta à vida de fato. Sim, à vida. Ponto. Porque normal acho que essa vida nunca foi.

Dá para considerar normal uma vida em que uma parte dos brasileiros faz fila para entrar num shopping enquanto outra parte do povo morre numa velocidade descomunal?

Tem certas coisas que só a psicologia explica. Por isso fui buscar ajuda e bater um papo com profissionais para tentar entender esse momento tão ambíguo e tão delicado. Porque não é apenas o vírus que causa desalento.

A exemplo do que acontece no resto do mundo, aqui a crise socioeconômica dá sinais de que vai durar um bom tempo. E tudo isso colabora para um fenômeno psicológico que pode acometer uma parcela da população: o medo de sair de casa.

“É um sentimento de angústia e receio que pode tomar conta mediante a ideia de sair às ruas e retomar o contato social e está relacionado à síndrome da cabana”, conforme explica a psicóloga e hipnoterapeuta Sabrina Amaral. É um efeito observado em outras situações de isolamento de longa duração: expedições no Alasca, períodos longos de hospitalização e encarceramento prolongado, entre outros.

A psicóloga Maria Aparecida (Tina) Junqueira Zampieri, doutora em Ciências da Saúde, explica que síndrome não é bem um nome adequado por não se tratar de uma patologia, mas de uma reação a um confinamento. “É esperado enfrentar alguns sentimentos diferentes, depois de um longo período sem sair de casa. É natural certa dificuldade, certo medo, um estranhamento”, diz.

Divulgação/AI

Tina destaca que isso pode ocorrer em qualquer idade e variar de pessoa para pessoa.

Nos idosos, porém, o quadro pode ser mais acentuado pela questão da fragilidade, por estarem em uma fase de vida em que outras mudanças estão acontecendo simultaneamente e isso colabora para esse sentimento de estranheza. Mas, muitas pessoas jovens também podem experimentar a mesma sensação.

Por que isso acontece?

É como se o nosso cérebro ficasse acostumado a uma nova rotina e aprendesse que estar em casa é a única possibilidade de segurança e proteção. Além disso, tivemos reforçadores positivos de comportamento durante a quarentena: mais tempo para a família, hobbies, estudo e tempo para nós mesmos.

Para as pessoas que têm uma personalidade naturalmente introvertida, isso é ainda mais evidente. Por isso, é importante reforçar a esperança e falar de coisas boas que estão por vir. Das janelas de oportunidades que se abriram e de como as mudanças podem ocorrer a partir das crises, reforça a psicóloga Tina Zampieri.  

Quais são os sintomas?

O sintoma principal é a angústia de sair de casa, acompanhada de medo e ansiedade. Percebe-se ainda certa letargia, falta de motivação, sono excessivo e comportamentos de esquiva para fugir do problema, como compulsão alimentar ou adicções. Notam-se também sintomas cognitivos como falha na memória e dificuldade de concentração.

Tina conta que ela mesma passou por uma situação semelhante e sugere que para se desquarentenizar, o melhor é respeitar o próprio tempo. “Não se obrigar a nada é a melhor saída para voltar a sair”.

5 passos para se desquarentenizar

#Foque no que está ao seu alcance. Crie uma rotina com movimento e que envolva alimentação saudável, exercícios e momentos para sair de casa aos poucos.

#Sem grandes pretensões, coloque metas para administrar a angústia. Um dia após o outro. Primeiro até a padaria, depois uma volta no quarteirão, e assim, sucessivamente.

#Avalie racionalmente seu medo, afinal, não é uma escalada até o Pico da Neblina, é apenas uma volta pela vizinhança.

#Facilite ainda mecanismos para mitigar o medo, como usar roupas e calçados fáceis de tirar, facilitando a higienização na hora de chegar em casa. Tenha um local externo para deixar os calçados e máscaras até serem higienizados.

#É importante não se comparar com os outros, mas sim, consigo mesmo. Se você observar que os comportamentos de esquiva não regridem ou aumentam conforme os dias passam, é importante buscar ajuda.

No mais, não se cobre tanto. Que tal encarar isso como uma fisioterapia psicológica que vai ajudar você a voltar a caminhar depois de um longo período de imobilização?

Com informações do Ciclo de Mutação e do CidadeVerde.com